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Análise: Gal Costa soube estar à frente das transformações musicais do País

Desde o início, com sua devoção a João Gilberto, até seu encontro com as novas gerações, passando pela Tropicália e pelos anos 80, Gal foi absorvida por todas as linguagens

Publicado em 9 de novembro de 2022 às 14:22

Gal Costa soube estar à frente das transformações musicais
Gal Costa soube estar à frente das transformações musicais Crédito: Zanone Fraissat/Folhapress

A voz de Gal Costa foi um marco na música brasileira. A forma como ela chegava com folga às regiões mais altas e seu timbre de cristal se tornaram uma das identidades artísticas mais fortes da MPB desde os anos 60, e seu poder de romper padrões quando bem dirigida era sua marca. Em Domingo, seu primeiro álbum, de 1967, Gal foi dirigida por Caetano Veloso. Havia ali a afirmação de sua obsessão por João Gilberto ao mesmo tempo em que os dois apontavam para o seguimento de uma linhagem de canto joaogilbertiano modernizado. Coração Vagabundo, Avarandado, Um Dia e a própria Domingo, com arranjos de cordas, fizeram sua bela estreia, mas não a revelaram por inteiro. Gal tinha mais a mostrar.

Um ano depois, Gal, firmava-se como a voz feminina dos tropicalistas, algo que a posicionava ao lado do grupo renovador da música brasileira. Ela aparecia em três momentos no álbum coletivo Tropicália - Panis et Circencis, cantando Mamãe Coragem (de Caetano Veloso e Torquato Neto), Parque Industrial (de Tom Zé), Enquanto Seu Lobo Não Vem (de Caetano) e, algo que se fixaria a sua imagem com mais força, Baby (também de Caetano Veloso).

Baby estaria em seu álbum de 1969, considerado o primeiro solo, com uma personalidade cada vez mais sólida. Não Identificado, Sebastiana, Divino Maravilhoso e mesmo o soul de Roberto, Se Você Pensa, ainda com os arranjos de sopros que haviam marcado a década anterior, mostram que a passagem pela Tropicália era um caminho sem volta. Gal não se prendia a campos definidos.

Sua discografia mapeia momentos políticos graves do país. Fatal - Gal a Todo Vapor, de 1971, mostra o registro de um dos shows realizados no teatro Tereza Raquel, no Rio, dirigidos por Waly Salomão. Sem os parceiros Gil e Caetano, exilados em Londres, Gal construía outro ponto incontornável em seu crescimento.

Saiu dali um álbum lançado com imperfeições, mas com a alma do show, mostrando a cantora, mais uma vez, estendendo seu campo de atuação, lembrando Ismael Silva, Jorge Ben, Luiz Melodia (Pérola Negra foi um arraso) e Jards Macalé com o próprio Waly Salomão (Vapor Barato é o hit). Saíram ainda daquele momento Como Dois e Dois, de Caetano, e Sua Estupidez, de Roberto e Erasmo.

Gal conseguiu adentrar e passar pelos anos 80 com vitórias importantes. Ao contrário de artistas que penavam para transpassar o portal tecnológico imposto pela nova estética radiofônica logo no início da década (as rádios FM se tornavam um novo filtro), Gal foi absorvida imediatamente. Seu álbum de 1981 é um clássico dos tempos, com Canta Brasil; Meu Bem, Meu Mal; Faltando Um Pedaço; e a eterna Festa do Interior. Gal estava por todas as rádios, em trilhas de novelas e lançando discos quase sempre irretocáveis.

Assim que chegou 2011, quando Gal não parecia mais ter mais nada a provar, Caetano voltou a dirigir um álbum inteiro. O resultado foi Recanto, com uma cantora que parecia se reposicionar esteticamente.

Mas Gal só estava mais uma vez sendo ela, imprevisível, irrepetível, abandonando as expectativas que faziam sobre o que poderia ser seu álbum para entregar-se a uma sonoridade ruidosa e muitas vezes difícil até como base harmônica para se colocar a voz. Seu timbre e seus agudos já ganhavam outro corpo, mas sua alma seguia fazendo cada nota que escolhia ser a nota perfeita.

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