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Publicado em 23 de outubro de 2021 às 10:54
O caminho para lançar sua estreia na direção foi muito mais longo do que imaginou, mas Wagner Moura sente certo alívio por enfim poder levar "Marighella" aos cinemas. Marcado por adiamentos, o filme embarca numa turnê de pré-estreias pelo país nesta segunda-feira (25), e chega ao circuito no dia 4 de novembro.
Originalmente, a previsão era que ele chegasse ao público há dois anos, mas a pandemia e um imbróglio envolvendo a Ancine, a Agência Nacional do Cinema, impossibilitaram o lançamento em ao menos duas ocasiões anteriores. Segundo Moura, "Marighella" foi censurado pelo órgão por ser uma biografia de Carlos Marighella, guerrilheiro comunista que lutou contra a ditadura militar.
"As negativas da Ancine para o lançamento e, depois, o arquivamento dos nossos pedidos não têm explicação. E isso veio numa época em que o Bolsonaro falava publicamente sobre filtragem na agência", diz ele, em conversa na manhã seguinte à sua volta ao Brasil para a campanha de estreia do longa.
Com Seu Jorge na pele do guerrilheiro e escritor, "Marighella" também tem Bruno Gagliasso, Adriana Esteves e Humberto Carrão no elenco e foi exibido no Festival de Berlim de 2019, onde foi aplaudido. Nem assim ganhou força para chegar logo às salas brasileiras.
Moura acredita que a resistência que o filme encontrou, vinda também de parte do público, é sintomática dos tempos atuais, de ânimos políticos exaltados e um governo federal que com frequência ataca a cultura.
"Qualquer obra é a conjunção do que um realizador pensa e projeta com o tempo em que aquela obra é vista", diz o ator-diretor. "A polêmica de 'Marighella' é muito menos sobre o Carlos Marighella e a luta armada do que sobre o governo Bolsonaro. É um filme sobre um personagem histórico, de seu tempo; Bolsonaro que é um personagem anacrônico."
A experiência de assumir a direção pela primeira vez pode até ter sido mais desafiadora do que o normal, mas isso não abalou Moura. Ele, no entanto, ainda não tem outros projetos como diretor guardados, e deve se dedicar, nos próximos meses, a lançamentos e gravações de filmes e séries feitos no Brasil e nos Estados Unidos, como "The Gray Man", de Anthony Russo e Joe Russo, irmãos por trás de "Vingadores: Ultimato".
Eu tenho uma visão muito clara sobre isso e não tenho a menor dúvida de que o filme foi censurado. As negativas da Ancine para o lançamento e, depois, o arquivamento dos nossos pedidos não têm explicação. E isso veio numa época em que o Bolsonaro falava publicamente sobre filtragem na agência, que filmes como "Bruna Surfistinha" eram inadmissíveis, que não ia dar dinheiro para financiar filmes LGBT. Foi bem nessa época que os nossos pedidos de lançamento foram negados e, logo na sequência, os próprios filhos do Bolsonaro foram às redes sociais comemorar a negativa da Ancine. É triste que um filme que tenha sido feito em 2017 até hoje não tenha estreado? É triste. Porém, hoje em dia, já está muito mais claro para os brasileiros a tragédia que é o governo Bolsonaro do que talvez em 2019, quando tentamos lançar "Marighella" pela primeira vez. Talvez, hoje, haja uma maior compreensão de que isso é um produto cultural brasileiro, que o fato de ser proibido, censurado, atacado pelo governo é um absurdo.
Eu costumo dizer que a vitória do Bolsonaro nas eleições foi trágica, mas pedagógica. Esse cortejo de mediocridade que vem atrás dele mostra que o Bolsonaro não é um alien, não veio de Marte. Ele é um personagem profundamente conectado ao esgoto da história brasileira, que nos mostra que o Brasil não é só um país de originalidade, de beleza, de potência, de diversidade, de biodiversidade. O favor que o Bolsonaro nos fez foi revelar esse outro Brasil, que estava camuflado; foi nos mostrar que nós também somos um país autoritário, violento, racista, de uma elite escrota. O Brasil é um país que nem é mais uma piada internacional. Quando os estrangeiros vêm falar com a gente, eles falam com pena. Agora nós temos que enfrentar isso.
Pensava que ia começar dirigindo algo com três atores, um triângulo amoroso, mas aí saiu o livro do Mário Magalhães ("Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo"), e eu queria muito que o filme acontecesse. Eu ia entrar como produtor e estávamos nos questionando quem a gente ia chamar para dirigir. Aí falaram que seria bom se fosse um baiano, se fosse alguém mais de esquerda. E eu falei "então eu acho que sou eu", e pronto. Comecei dirigindo um filme muito mais complexo para alguém que nunca tinha dirigido nada. É um filme com implicações políticas e históricas, grande, cheio de personagens, centrado numa figura maldita, que talvez cause mais polêmica hoje do que na própria época em que viveu, o que diz mais sobre a época de hoje do que sobre o Marighella. Quando falei que ia dirigir meu primeiro filme, eu achava, numa certa empáfia, que era um artista popular e que as pessoas iam querer apostar no meu filme. Mas foi o contrário. A junção do Marighella com o meu nome, de um artista identificado com a esquerda, provocou uma rejeição muito grande e ninguém queria se envolver com o projeto. A gente teve uma dificuldade enorme, tivemos muito pouco dinheiro. No set de filmagem a gente recebeu ameaças, de gente dizendo que ia matar, que ia quebrar tudo.
Esse ano eu fiz dois projetos nos Estados Unidos. Um com os irmãos Russo, chamado "The Gray Man", uma espécie de James Bond americano, e logo depois fiz uma série para o Apple TV+, "Shining Girls", com a Elisabeth Moss, em que faço um jornalista, e gostei demais disso, porque eu me formei em jornalismo. Os projetos para os quais estou mais animado, que ainda vou fazer, são um filme com o Kleber Mendonça Filho, no Recife, um projeto antigo que tenho com o Karim Aïnouz, que fala do avanço das igrejas neopentecostais, e estou produzindo uma série para a Disney sobre a Maria Bonita. Como diretor, não tenho nada adiante.
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