Silvio de Abreu saiu da Globo em 2021. Crédito: Folha Press
Consagrado por novelas como Guerra dos Sexos (1983), Cambalacho (1986) e Sassaricando (1987), Silvio de Abreu não se inibe quando o assunto é televisão. E estranho seria se fosse o contrário, afinal o escritor trabalhou na TV Globo por 40 anos e também conta com passagem recente pelo Max. Além de ser formado como cenógrafo e ter atuado em diversas produções antes de ser autor de novelas.
Atualmente, as novelas têm sido criticadas por escalarem influenciadores, enquanto se observa um aumento no consumo de produções antigas. A entrevista com Silvio de Abreu também foi destacada na matéria "Como vídeos curtos influenciaram novas erações a assistirem obras nacionais", que você pode conferir aqui.
Por isso, HZ convidou o novelista para discutir as mudanças no audiovisual brasileiro e a influência da internet na televisão. Confira!
HZ - Parece que o apego que as pessoas têm por novelas antigas não acontece com as atuais. Por que você acha que isso acontece?
Silvio - As novelas antigas, eu digo de 10 anos atrás, eram feitas por um time de autores de muito boa qualidade. Com uma produção muito cara, os atores todos que fizeram aquelas novelas tinham formação teatral forte, que tinham carreiras de anos. E interpretavam grandes personagens em teatro, porque escola do ator é o teatro. É lá que ele aprende a se comunicar, é lá que ele é um personagem, é lá que ele aprende a ser o que pode aprender o melhor dele. Ele empresta isso para a televisão, porque na televisão, como agora tudo é feito num modo de pressa, não há o tempo da elaboração.
Por isso que é ridículo que esses influencers queiram ser atores. Ator é uma profissão muito difícil, requer muito estudo, não é decorar um texto que nem um papagaio e ir lá falar na frente da câmera. São péssimos, estão fazendo uma coisa que não sabem fazer e que não estão preparados
HZ - O que a televisão poderia fazer para melhorar?
Silvio - Se a TV aberta fizesse produtos melhores, ela ainda teria uma audiência muito maior do que tem hoje. A televisão aberta é de graça, você compra a televisão, liga e você vê. Então isso já é um atrativo muito grande para a maioria da população do nosso país, que é um país de gente muito pobre de uma maneira geral.
Então o que a televisão tinha que fazer? Descobrir uma maneira de fazer coisas de qualidade sem gastar muito dinheiro, porque é isso que ela precisa hoje. O que ela não pode é continuar fazendo porcaria. Não vai segurar nenhuma audiência, porque aí a pessoa vai preferir ficar procurando no YouTube coisas antigas, que são melhores de assistir. É simples, né?
HZ - Você chegou a ver que criaram uma novela fake chamada "Pé de Chinesa" no Tik Tok? O que você pensa disso?
Silvio - Na internet as pessoas se divertem com qualquer coisa, né? Mas você vê também uma carência dessas novelas da Globo um pouco mais de 10 anos atrás. É uma brincadeira, tudo bem. Mas por que eles fazem essa brincadeira? Porque perdeu o respeito. Uma brincadeira dessa não se faria 10 anos atrás, porque existia respeito pelo trabalho. Isso é uma falta de respeito pelo produto.
HZ - O que parece é que muitas das atuações dos influencers viralizam na internet e viram meme. Mas isso não é convertido audiência. Você acha que é justamente pela qualidade?
Imaginar que você vai botar influencers em novela e isso vai aumentar a audiência é uma besteira. Eu, quando estava na Globo e era o supervisor, coloquei duas atrizes juntas, não por elas terem muitos seguidores, mas calhou. Foi a Marina Ruy Barbosa junto com Bruna Marquezine, cada uma na época tinha cerca de 20, 30 milhões de seguidores e a novela foi um fracasso.
Ou coloca essa menina que tá nessa novela da sete, a Rafa Kalimann, é um desastre, ela só está lá para passar vergonha, coitada. Por que ela faz isso? Sei lá quantos milhões de seguidores e vai ficar passando vergonha à toa, a novela não faz sucesso também, então quem está se divertindo com isso?
HZ - Depois da Globo, você trabalhou para o Max. Por que saiu?
Silvio - Pela maneira como eles querem trabalhar, em que você junta todo mundo para escrever. Aí tem outro que dá palpite. Aí tem que ir para Los Angeles para aprovar. Eu não tenho paciência para fazer isso. Eu, como autor, eu falava 'esses são os atores que eu quero fazer' e acabou. Eu não tinha que dar satisfação para ninguém. Agora você tem que dar satisfação para o mundo inteiro, para o mundo de gente que você não sabe quem é. Coisas do tipo 'a fulana não devia chamar Maria, devia chamar Joana'. Não tenho paciência para isso, não quero mais isso, não preciso mais disso. Por isso eu achei que não estava me divertindo.
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