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Publicado em 9 de novembro de 2022 às 16:39
"Eu vou fazer uma canção pra ela/ Uma canção singela, brasileira." Foram muitas as canções brasileiras que Gal Costa, morta nesta quarta-feira (9), transformou com sua voz marcante e inconfundível. Os versos, tirados de "Não Identificado", dizem muito sobre a onipresença da cantora também nas telas, que por mais de meio século a usaram para dar voz ao país.
Composta por Caetano Veloso, um dos principais parceiros de Gal na vida e no trabalho, "Não Identificado", curiosamente, é o primeiro e o último crédito da artista num grande filme. A estreia na telona foi em 1969, com "Brasil Ano 2000", de Walter Lima Jr., sobre um país devastado após uma terceira guerra mundial.
A última foi com "Bacurau" - que deu a Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho o prêmio do júri em Cannes em 2019-, também sobre um Brasil mergulhado em crise, mas desta vez por causa de anos e anos de subserviência e exploração.
"Minha paixão há de brilhar na noite/ No céu de uma cidade do interior/ Como um objeto não identificado", entoava Gal já nas primeiras imagens do longa, enquanto uma câmera voyeurista observava o globo terrestre e se aproximava do Brasil de forma predatória.
Com os dois filmes, a baiana cantou diante das mazelas de sua nação, foi às entranhas e tirou delas certa beleza, como poucas vozes conseguem fazer. E isso mesmo que "Não Identificado" já estivesse lá, existindo antes de qualquer roteiro.
A notória influência para uma revolução feminista e sexual também pôs sua discografia no caminho de tramas que se debruçaram sobre os temas. "Que Pena" embalou os delírios eróticos da jovem ninfomaníaca de "A Mulher de Todos", de Rogério Sganzerla, enquanto "London, London" acompanhou as explorações sexuais do quarteto de "Uma Mulher para Sábado", de Maurício Rittner.
Engrossam a lista "Sua Estupidez", na trilha de "Eu Transo, Ela Transa", de Pedro Camargo, "Love, Try and Die", em "As Delícias da Vida", de Rittner novamente, "Mil Perdões", em "Perdoa-me por Me Traíres", de Braz Chediak, e "Sol Negro", no drama erótico americano "Orquídea Selvagem", estrelado por Mickey Rourke.
Mas foi mesmo com Jorge Amado que Gal Costa brilhou nas telas. Na adaptação de Nelson Pereira dos Santos para "Jubiabá", ela cantou "Lindinalva". E, com Sonia Braga, aumentou a voltagem sexual das personagens-título de "Tieta do Agreste" e "Gabriela", nos filmes dirigidos por Cacá Diegues e Bruno Barreto, respectivamente, e também na novela da Globo sobre a última personagem.
"Eu nasci assim, eu cresci assim/ E sou mesmo assim, vou ser sempre assim/ Gabriela/ Sempre Gabriela", cantava Gal na icônica abertura do folhetim de 1975, nos versos que se infiltraram na memória coletiva do brasileiro e foram repetidos na refilmagem de 2012, protagonizada por Juliana Paes.
Na televisão, sua presença em trilhas sonoras se deu quase que ano a ano. Alguns dos principais folhetins da teledramaturgia brasileira associaram personagens à sua voz, como "Dancin' Days", "Água Viva", "Mulheres de Areia", "Torre de Babel", "Porto dos Milagres", "Mulheres Apaixonadas", "Celebridade", "Senhora do Destino", "Paraíso Tropical" e, mais recentemente, "Os Dias Eram Assim" e "Amor de Mãe".
Em "Vale Tudo", foi escolhida para o tema de abertura, "Brasil". Nela, cantava a revolta reprimida durante os anos de ditadura que ainda não estavam distantes o suficiente -e que peitou ferozmente . "Brasil, mostra a tua cara", urgia diante das rápidas imagens que capturavam biomas, bichos, manifestações, festas, traumas, prédios.
Completa, em sua forma humana, Gal Costa deve fazer uma última aparição nas telas. Sophie Charlotte encarna a cantora na cinebiografia "Meu Nome É Gal", que Lô Politi e Dandara Ferreira já gravaram e que levarão aos cinemas no ano que vem.
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