Linn da Quebrada e Pedro Scooby conversam sobre identidade de gênero no "BBB 22". Crédito: Reprodução/ Globoplay
Cantora, atriz e ativista pelos direitos da comunidade LGBTQIAP+, Linn da Quebrada está se destacando no "BBB 22" por seu carisma, talento e, especialmente, pelo importante papel de tentar explicar (e por que não familiarizar?) a sociedade - via Rede Globo, maior audiência da TV aberta - diferenças relacionadas à questão de identidade de gênero, um tema ainda novo e que necessita entrar em pauta em épocas de intolerância e polarização política.
Em uma conversa com Pedro Scooby na quarta-feira (2), Linn, mais uma vez, falou sobre sua identidade. Para o surfista, ela explicou a diferença entre pessoas trans e travestis. "Trans é o mesmo nome do que o travesti?”, questionou o rapaz, "A travesti”, assinalou Linn, corrigindo o uso do pronome feminino. "A transgeneridade é um guarda-chuva que fala sobre as identidades trans. Tem muitas identidades trans", ressaltou a cantora. "Sendo operado ou não?", replicou Scooby.
Linn logo fez questão de colocar os pingos nos is. "Esse é um princípio básico, não é a genital que define minha identidade. Não é se eu tenho um pinto ou se tenho uma b* que vai definir se sou homem ou mulher... Não é necessariamente a cirurgia. Para não errar, o melhor é você perguntar para a pessoa", esclareceu Linn, dizendo que se considerar travesti é uma espécie de contextualização política.
"Pra mim, a grande diferença entre a travesti (e a pessoa trans), é que ela se constrói... As travestis surgem numa determinada época, num determinado contexto político, como uma categoria que vem das ruas, marginalizada. É uma classe social. Elas pertencem a um grupo social, um contexto social", aponta a cantora, que mudou oficialmente seu nome na certidão de nascimento para Lina Pereira dos Santos.
CONTEXTO SOCIAL
Querendo entender mais do assunto, "HZ" conversou com Deborah Sabará, coordenadora da Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade, a Gold, que atua desde 2005 na defesa dos direitos humanos. A dúvida que não quer calar continua: existe diferença entre travestis e pessoas trans?
"Cada um determina a própria identidade de gênero e como quer ser chamada e tratada. Na prática, nada difere uma mulher trans de uma travesti. É uma questão de política social, de ressignificação, respeito e visibilidade, de tirar as travestis da marginalidade", explica Deborah, complementando que ser travesti é uma forma de "conquista social", uma espécie de orgulho em vestir a camisa da causa.
"Não importa se você fez a cirurgia de redesignação de gênero. Eu, como Linn, me defino travesti", acrescenta, ressaltando que a palavra travesti ainda carrega uma conotação pejorativa, frequentemente relacionada com marginalização ou prostituição. Muitas travestis adotam o termo para ressignificá-lo ou mesmo como conformação política.
Deborah Sabará, coordenadora da Associação GOLD. Crédito: Divulgação
"A palavra travesti é usada no Brasil há algum tempo. Historiadores afirmam que pode ter surgido com a chegada dos colonizadores portugueses e seu hábito de travestir os índios com roupas da corte europeia. Outros defendem que a designação foi difundida na época da ditadura militar, quando homens se travestiam para dentar sobreviver e fugir dos policiais", contextualiza Sabará, afirmando que a sociedade - com seus preconceitos - pode delinear diferenças entre trans e travestis.
Indo mais além, constatamos que o diferencial também pode estar em como pessoas cisgênero - termo usado para designar indivíduos que se identificam com o gênero (masculino ou feminino) que lhes foi atribuído ao nascer - enxergam trans e travestis.
"Quando vemos nas páginas policiais, como traficante, prostituta, presidiária e marginalizada, normalmente é comum enquadrarem essas pessoas como travestis. Por outro lado, quando está fora de um contexto violento, se você é uma mulher fina, educada, que faz faculdade e tem uma profissão, torna-se bem aceita em círculos sociais, sendo vista como uma mulher trans", aponta.
Em entrevista ao portal G1, a historiadora e comunicadora Giovanna Heliodoro afirmou que é um equívoco assimilar o termo mulher trans com pessoas que fizeram o processo cirúrgico de adaptação de gênero.
"Por muito tempo, as pessoas acreditaram que a mulher trans era a ‘mulher operada’. Enquanto travesti era a ‘pessoa que não operou’ e se parecia mais com homem. Esse pensamento é extremamente errôneo e abominável hoje em dia. A gente entende que nada tem a ver com cirurgia ou com o que é mais feminino”, afirmou, também detalhando o posicionamento histórico do questionamento, especialmente na América Latina.
"Uma é uma identidade historicamente latino-americana, que foi reprimida. A palavra trans é aquela que se encontra dentro do espectro binário, ou seja, a mulher trans se reconhece dentro da 'mulheridade', o que é se assumir mulher na sociedade. Enquanto a travesti se assume, como muito bem disse Linn da Quebrada, para além disso: ‘não sou homem, não sou mulher. Sou travesti'", completou a historiadora.
CONSTRUÇÃO
É importante ressaltar que identidade de gênero não está relacionada à orientação sexual, que depende do gênero sobre quem sentimos atração. Uma travesti ou uma pessoa trans, por exemplo, pode ter qualquer tipo de orientação: bissexual, hetero, lésbica ou mesmo assexual.
Também vale mencionar que os termos trans, transgênero - atualmente em desuso - e transexual podem ser utilizados tanto para identidades masculinas, quanto femininas. Já o termo travesti é utilizado apenas pessoas trans com identidades femininas.
"Vamos precisar de anos para debater essas questões, mas faz parte do nosso processo em busca de visibilidade, representatividade e protagonismo. Também há pessoas que não gostam de ser reconhecidas (ou encaixadas) como travesti ou trans. Algumas não se adequam a essa ressignificação que defendemos, pois acham que, ao fazerem a cirurgia de redesignação sexual, se entendem como mulheres cis. Cada pessoa se identifica com o quer e se sente melhor", enfatiza.
Vai uma dica de "HZ": se está com dúvidas sobre como se dirigir a alguém, pergunte (de forma respeitosa, please) como ela prefere ser chamada e, de bônus, vai saber o gênero com o qual ela se identifica.
"É importante agir naturalmente. Ninguém apresenta uma pessoa como, 'essa é fulana, minha amiga trans' ou 'essa é fulana, minha amiga travesti'. É melhor falar, 'essa é fulana, minha amiga'", aconselha Sabará, dizendo que a participação de Linn da Quebrada no "Big Brother Brasil" dá grande visibilidade a causa LGBTQIAP+ em sua busca por respeito e dignidade.
"Vivemos em um país onde mais se mata ou comete violência contra pessoas trans e travestis no mundo. Portanto, a participação de uma ativista dos nossos direitos em um reality show de grande alcance na TV é uma conquista, pois consegue gerar debates sobre direitos e conquistas sociais", acredita a gestora do Instituto Gold.
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"Linn é politizada, tanto que utiliza a palavra 'corpos' para se referir a pessoas, em um linguajar próprio de quem luta pelos direitos humanos. São corpos presentes, não importando o gênero ou a sexualidade. A gente sabe que corpos de pessoas trans e travestis ainda incomodam boa parte da sociedade. Nesse ponto, sua participação também pode soar como aceitação. Ela age de forma natural, do tipo, sou assim, vivo assim, tenho meus medos e minhas angústias", complementa.
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