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Publicado em 4 de março de 2022 às 18:20
Cantora, atriz e ativista pelos direitos da comunidade LGBTQIAP+, Linn da Quebrada está se destacando no "BBB 22" por seu carisma, talento e, especialmente, pelo importante papel de tentar explicar (e por que não familiarizar?) a sociedade - via Rede Globo, maior audiência da TV aberta - diferenças relacionadas à questão de identidade de gênero, um tema ainda novo e que necessita entrar em pauta em épocas de intolerância e polarização política.
Em uma conversa com Pedro Scooby na quarta-feira (2), Linn, mais uma vez, falou sobre sua identidade. Para o surfista, ela explicou a diferença entre pessoas trans e travestis. "Trans é o mesmo nome do que o travesti?”, questionou o rapaz, "A travesti”, assinalou Linn, corrigindo o uso do pronome feminino. "A transgeneridade é um guarda-chuva que fala sobre as identidades trans. Tem muitas identidades trans", ressaltou a cantora. "Sendo operado ou não?", replicou Scooby.
Linn logo fez questão de colocar os pingos nos is. "Esse é um princípio básico, não é a genital que define minha identidade. Não é se eu tenho um pinto ou se tenho uma b* que vai definir se sou homem ou mulher... Não é necessariamente a cirurgia. Para não errar, o melhor é você perguntar para a pessoa", esclareceu Linn, dizendo que se considerar travesti é uma espécie de contextualização política.
"Pra mim, a grande diferença entre a travesti (e a pessoa trans), é que ela se constrói... As travestis surgem numa determinada época, num determinado contexto político, como uma categoria que vem das ruas, marginalizada. É uma classe social. Elas pertencem a um grupo social, um contexto social", aponta a cantora, que mudou oficialmente seu nome na certidão de nascimento para Lina Pereira dos Santos.
Querendo entender mais do assunto, "HZ" conversou com Deborah Sabará, coordenadora da Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade, a Gold, que atua desde 2005 na defesa dos direitos humanos. A dúvida que não quer calar continua: existe diferença entre travestis e pessoas trans?
"Cada um determina a própria identidade de gênero e como quer ser chamada e tratada. Na prática, nada difere uma mulher trans de uma travesti. É uma questão de política social, de ressignificação, respeito e visibilidade, de tirar as travestis da marginalidade", explica Deborah, complementando que ser travesti é uma forma de "conquista social", uma espécie de orgulho em vestir a camisa da causa.
"Não importa se você fez a cirurgia de redesignação de gênero. Eu, como Linn, me defino travesti", acrescenta, ressaltando que a palavra travesti ainda carrega uma conotação pejorativa, frequentemente relacionada com marginalização ou prostituição. Muitas travestis adotam o termo para ressignificá-lo ou mesmo como conformação política.
"A palavra travesti é usada no Brasil há algum tempo. Historiadores afirmam que pode ter surgido com a chegada dos colonizadores portugueses e seu hábito de travestir os índios com roupas da corte europeia. Outros defendem que a designação foi difundida na época da ditadura militar, quando homens se travestiam para dentar sobreviver e fugir dos policiais", contextualiza Sabará, afirmando que a sociedade - com seus preconceitos - pode delinear diferenças entre trans e travestis.
Indo mais além, constatamos que o diferencial também pode estar em como pessoas cisgênero - termo usado para designar indivíduos que se identificam com o gênero (masculino ou feminino) que lhes foi atribuído ao nascer - enxergam trans e travestis.
"Quando vemos nas páginas policiais, como traficante, prostituta, presidiária e marginalizada, normalmente é comum enquadrarem essas pessoas como travestis. Por outro lado, quando está fora de um contexto violento, se você é uma mulher fina, educada, que faz faculdade e tem uma profissão, torna-se bem aceita em círculos sociais, sendo vista como uma mulher trans", aponta.
Em entrevista ao portal G1, a historiadora e comunicadora Giovanna Heliodoro afirmou que é um equívoco assimilar o termo mulher trans com pessoas que fizeram o processo cirúrgico de adaptação de gênero.
"Por muito tempo, as pessoas acreditaram que a mulher trans era a ‘mulher operada’. Enquanto travesti era a ‘pessoa que não operou’ e se parecia mais com homem. Esse pensamento é extremamente errôneo e abominável hoje em dia. A gente entende que nada tem a ver com cirurgia ou com o que é mais feminino”, afirmou, também detalhando o posicionamento histórico do questionamento, especialmente na América Latina.
"Uma é uma identidade historicamente latino-americana, que foi reprimida. A palavra trans é aquela que se encontra dentro do espectro binário, ou seja, a mulher trans se reconhece dentro da 'mulheridade', o que é se assumir mulher na sociedade. Enquanto a travesti se assume, como muito bem disse Linn da Quebrada, para além disso: ‘não sou homem, não sou mulher. Sou travesti'", completou a historiadora.
É importante ressaltar que identidade de gênero não está relacionada à orientação sexual, que depende do gênero sobre quem sentimos atração. Uma travesti ou uma pessoa trans, por exemplo, pode ter qualquer tipo de orientação: bissexual, hetero, lésbica ou mesmo assexual.
Também vale mencionar que os termos trans, transgênero - atualmente em desuso - e transexual podem ser utilizados tanto para identidades masculinas, quanto femininas. Já o termo travesti é utilizado apenas pessoas trans com identidades femininas.
"Vamos precisar de anos para debater essas questões, mas faz parte do nosso processo em busca de visibilidade, representatividade e protagonismo. Também há pessoas que não gostam de ser reconhecidas (ou encaixadas) como travesti ou trans. Algumas não se adequam a essa ressignificação que defendemos, pois acham que, ao fazerem a cirurgia de redesignação sexual, se entendem como mulheres cis. Cada pessoa se identifica com o quer e se sente melhor", enfatiza.
Vai uma dica de "HZ": se está com dúvidas sobre como se dirigir a alguém, pergunte (de forma respeitosa, please) como ela prefere ser chamada e, de bônus, vai saber o gênero com o qual ela se identifica.
"É importante agir naturalmente. Ninguém apresenta uma pessoa como, 'essa é fulana, minha amiga trans' ou 'essa é fulana, minha amiga travesti'. É melhor falar, 'essa é fulana, minha amiga'", aconselha Sabará, dizendo que a participação de Linn da Quebrada no "Big Brother Brasil" dá grande visibilidade a causa LGBTQIAP+ em sua busca por respeito e dignidade.
"Vivemos em um país onde mais se mata ou comete violência contra pessoas trans e travestis no mundo. Portanto, a participação de uma ativista dos nossos direitos em um reality show de grande alcance na TV é uma conquista, pois consegue gerar debates sobre direitos e conquistas sociais", acredita a gestora do Instituto Gold.
"Linn é politizada, tanto que utiliza a palavra 'corpos' para se referir a pessoas, em um linguajar próprio de quem luta pelos direitos humanos. São corpos presentes, não importando o gênero ou a sexualidade. A gente sabe que corpos de pessoas trans e travestis ainda incomodam boa parte da sociedade. Nesse ponto, sua participação também pode soar como aceitação. Ela age de forma natural, do tipo, sou assim, vivo assim, tenho meus medos e minhas angústias", complementa.
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