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Publicado em 14 de abril de 2022 às 11:37
"Fora, Bolsonaro... Espera, o que vocês me fizeram falar?", pergunta Lizzo, desconfiada, depois de decidir arriscar umas palavrinhas em português durante uma live no Instagram, em outubro.
A cantora americana achou que seria uma boa ideia repetir o mantra contra o presidente do Brasil, que os fãs brasileiros enviavam no chat, mesmo sem saber o significado. O resultado foi que, depois de descobrir sobre quem estava falando, Lizzo fez bico, assustada, e soltou uma risada nervosa.
O episódio ocorreu apenas alguns meses antes que o presidente tentasse censurar artistas que se manifestaram contra ele e a favor de Lula no Lollapalooza, no final de março. Agora, em entrevista para promover seu novo single "About Damn Time", Lizzo fica desconfortável ao descobrir sobre o ocorrido. "Eu não sei muito sobre a política no Brasil, mas acho que muitas vezes os representantes do governo se esquecem que os direitos das pessoas deveriam ser uma prioridade."
"Música e política andam de mãos dadas", segue. Ela lembra dos anos 1960, quando Aretha Franklin e James Brown tinham canções que motivavam os americanos a lutarem pelos seus direitos civis, e da recente "Alright", de Kendrick Lamar, que virou um hino do movimento Black Lives Matter.
"Nós, artistas e músicos, somos um reflexo dos tempos e, no nosso melhor, somos a voz do povo." Para ela, o novo single, que prepara o terreno para seu quarto disco, também soa bastante político.
Na letra de "About Damn Time", Lizzo pede que aumentem o volume e apaguem as luzes porque sente que finalmente vai ficar bem de verdade -e grita o título da canção, algo como "já estava mais do que na hora", em português. "Tenho andado muito ansiosa com nosso clima global e político. Essa canção pode dar, a quem também tem se sentido assim, uma chance para se motivar e enfrentar o que quer que aconteça."
O single não soa como uma novidade e parece algo reciclado do disco anterior --mas é dançante e tem um refrão grudento, o que pode ser o suficiente para quem gosta dela. Resta torcer para que o novo álbum traga algum frescor.
Lizzo despontou como um misto de diva pop e rapper em 2019, quando caiu na boca do povo com o hit "Truth Hurts" e lançou o álbum "Cuz I Love You" -obras que lhe renderam oito indicações e três estatuetas do Grammy no ano seguinte. Ela tentava fazer sucesso há anos -seu primeiro disco, chamado "Lizzobangers", é de 2013 -, mas Lizzo só ficou conhecida mesmo depois.
Mesmo que tenha perdido o Grammy de artista revelação para Billie Eilish, a maior campeã da premiação em 2020, é inegável que Lizzo tenha mostrado a que veio naquela época. Na contramão das canções deprimentes e murmuradas de Eilish, a voz de "About Damn Time" se destacou com letras debochadas sobre autoaceitação e vocais poderosos.
Aquele Grammy ficou marcado por exibir uma nova geração de artistas pop ao premiar Lizzo, Eilish e o rapper Lil Nas X. Os dois últimos não demoraram a engatar numa nova era. Lançaram discos aclamados no ano passado e se apresentaram no Grammy deste ano. Mas Lizzo, que é bom, nada.
"Já estava mais do que na hora de lançar o álbum", brinca, num trocadilho com o título do single.
"Eu estava trabalhando no disco, queria que tudo ficasse perfeito. Há tanto sobre Lizzo agora que acho até bom que não tenha tido 'muito' Lizzo nos últimos três anos", justifica. A última faixa que ela lançou foi "Rumours", com uma Cardi B grávida, em agosto do ano passado -canção que provavelmente estará no novo disco. Questionada sobre outras participações no projeto, Lizzo desconversa.
Criar um sucessor à altura do disco anterior poderia ser difícil, mas ela garante que está empolgada em estar de volta. "A era 'Cuz I Love You' foi muito divertida e agora sinto que tenho a mesma energia."
"Não tenho expectativas, só espero fazer música boa e que as pessoas que me amam aceitem essa carta de amor. É só o que me importa", ela diz, quase que justificando um possível insucesso comercial. Não custa lembrar que o Grammy do ano que vem tem Adele, com seu "30" -se sobrar algum prêmio para Lizzo, ela vai estar no lucro.
"Só saberei se fui bem sucedida se puder ir ao Brasil, performar as novas músicas e ver vocês cantando." Lizzo já até pisou uma vez no país, no começo de 2020, mas só fez um pocket show para influenciadores, jornalistas e convidados no Rio de Janeiro.
Em uma participação no programa de James Corden, a americana afirmou que alguém precisaria criar uma coreografia para o TikTok para seu novo single, o que parece ter virado um requisito para qualquer música bombar hoje em dia -vide o caso de "Envolver", de Anitta, que só decolou depois que a rebolada do refrão caiu na rede.
Lizzo nega, dando risada, que esteja preocupada em criar uma dancinha que viralize. "Sinto que, no TikTok, vocês só querem me ver cozinhar, fazer um 'twerk' [uma requebrada, em português mais claro] e responder a comentários." Para ela, se alguém criar uma dancinha para "About Damn Time", muito bem, mas não faz parte dos planos.
Quando questionada sobre o que a inspirou para criar o novo projeto, Lizzo admite que não ouve muita coisa além do próprio repertório. Ela é mais de música clássica -e diz que um pouco de Beyoncé vai bem também. "Eu não tenho muitas influências. Sou só eu sentada num estúdio com outras pessoas talentosas para caralho fazendo música boa."
Autoconfiança é um tema que parece permear não só suas letras, mas também a forma como leva a carreira --o que, em excesso, pode acabar sendo um problema.
Mas, se depender dos singles, Lizzo deve estar preparando um disco bastante semelhante ao anterior -divertido, debochado, dançante e empoderado. A verdade é que, neste retorno, ela parece estar disposta a continuar fazendo música para rebolar até o chão com uma mão no joelho e outra na consciência.
Depois de passar tanto tempo sumida, já estava mais do que na hora.
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