O ator Humberto Carrão como José Inocêncio na primeira fase do remake de 'Renascer'. Crédito: Fabio Rocha/Globo
"Renascer" renasce mais de três décadas depois da novela original alguns tons abaixo da selvageria de outrora. Se na década de 1990 era Luiz Fernando Carvalho quem conduzia o clássico de Benedito Ruy Barbosa com todos os requintes de sua linguagem barroca, agora a trama, nas mãos de Gustavo Fernandez, parece ajustada aos tempos atuais.
Não que o mundo tenha se pacificado de lá para cá. Mas o espectador da telenovela antiga, já de olhos calejados por tantos anos de streaming e a linguagem pasteurizada das séries, talvez não aceitasse a lentidão ousada e os horizontes saturados de então.
O primeiro capítulo do remake, a aposta mais alta da TV Globo para contornar uma crise de audiência sem precedentes, é um acerto, deslumbrante na medida certa.
Noveleiros já conhecem a trama, mas a saga de José Inocêncio, na pele de Humberto Carrão até a segunda fase da história, quando passa a ser vivido por Marcos Palmeira, tem tudo para conquistar uma nova geração desconectada do chamado Brasil profundo.
"Renascer", com a fotografia sem arestas de Walter Carvalho e o roteiro correto de Bruno Luperi, neto de Barbosa, deslancha num belo contraponto com a trama antecessora do horário nobre, a catastrófica "Terra e Paixão". Quem achava que duas novelas rurais pudessem cansar o público está enganado, tamanho o contraste entre as obras.
O dramalhão agro de Walcyr Carrasco, calcado em cores berrantes, um sem-fim de subtramas que não levavam a lugar nenhum e diálogos sofríveis, está muito distante de "Renascer", mais sóbria nos figurinos, nos diálogos e na direção de arte, uma construção que resulta sofisticada mesmo arquitetada sobre as tintas épicas da história.
O elenco, com a participação de Maria Fernanda Cândido num papel que não existia, se mostrou entrosado no primeiro episódio. A atriz sustenta a maior parte das cenas com segurança e frescor, da mesma forma que Enrique Diaz, que faz um coronel violento.
Humberto Carrão tem imenso carisma, o que compensa certa apatia na atuação, e Juliana Paes, em poucos minutos de tela, também mostra que pode compor uma Jacutinga, a dona do bordel antes vivida por Fernanda Montenegro, com força e cores singulares.
"Renascer" vai trilhar uma rota de turbulência mais adiante. Ainda não vimos o polêmico triângulo amoroso formado por José Inocêncio, o filho rejeitado José Pedro, papel que pode levar Juan Paiva ao patamar que merece, e Mariana, papel de Theresa Fonseca que quase custou a Adriana Esteves a sua carreira.
Também resta ver com que jogo de cintura o roteiro vai contar a história de Buba, a chamada hermafrodita de Maria Luisa Mendonça da novela original agora vivida por Gabriela Medeiros, uma atriz trans.
É raro um remake desbancar o original. Na avalanche de novas versões, no entanto, Luperi se destacou com sua releitura hipnotizante de "Pantanal", que devolveu o lustro à Globo.
"Renascer" estreia sob um peso enorme. O pontapé inicial, sem delongas ou rodeios, indica uma trajetória firme, com a esperança de que a trama não derrape na troca de fases ou com desvios inúteis.
É um remake que, com sorte, pode consolidar uma espécie de renascimento do gênero, ágil e bem orquestrado, mas não será fácil -e é triste que só releituras de clássicos vinguem neste deserto de ideias.
Os obstáculos de um mundo em chamas estão aí para atrapalhar, mas as novelas sempre foram a dose diária de escapismo de um país que não nos dá trégua. A ver.
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