A atriz Selena Gomez faz sucesso na cozinha em sua nova série. Crédito: Reuters/Folhapress
"Isso é o que eu vou queimar hoje", diz Selena Gomez nos primeiros segundos de sua série na HBO Max, "Selena + Chef", enquanto recebe duas grandes sacolas de comida na porta de casa. Parece exagero, mas nem tanto –a cantora e atriz, de fato, incendeia o forno, arremessa um abacate ao outro lado da cozinha e espalha sangue pelo balcão ao longo do programa.
Perto de outras celebridades que têm se aventurado na gastronomia recentemente, no entanto, Selena nem faz tão feio assim. Em "Cozinhando com Paris", a maior patricinha de Hollywood, Paris Hilton, encontra a amiga –e desafiante ao posto de maior patricinha de Hollywood– Kim Kardashian para um café da manhã com direito a muito glitter comestível.
Na hora de misturar alguns ingredientes, as duas param e encaram por longos e constrangedores segundos uma prateleira com um liquidificador e uma batedeira –mas qual deles é o liquidificador, que a receita pede? Para meros mortais, a resposta é óbvia, mas no mundo açucarado das socialites, nem tanto. Spoiler -elas pegam a batedeira.
Desastres gastronômicos parecem estar em alta no streaming nessa nova era pandêmica. Prova disso é que o formato de "Selena + Chef" pretende ser replicado pela HBO Max em vários países. Um dos primeiros a ganhar uma nova versão foi justamente o Brasil, com seu "Sandy + Chef", encabeçado pela cantora Sandy, que chega à plataforma nesta quinta-feira.
Comparada às colegas americanas, a brasileira até vai bem –talvez a produtora não contasse com isso, já que parte da graça de "Selena + Chef" é a expectativa até o próximo perrengue. O maior momento de tensão de Sandy, ao menos nos primeiros episódios, é o desafio de cortar uma abóbora, sob a orientação virtual da chef Paola Carosella, que suplica, pondo em palavras os pensamentos do espectador, "por favor, não corte um dedo fora".
"Nesse novo contexto de pandemia, nós encontramos desafios em coisas simples da nossa rotina, que tocam todo mundo. Isso fez todos repensarem como lidamos com tudo, desde as coisas mais básicas, e esse é um ponto de encontro da gente com as celebridades", diz Monica Albuquerque, diretora de talentos artísticos da WarnerMedia na América Latina, sobre essa nova onda de famosos cozinhando.
Segundo ela, o interesse das pessoas por conteúdos voltados para a rotina aumentou com o isolamento social. E foram vários meses de quarentena, o que tornou a dieta de macarrão instantâneo e comida congelada insustentável a longo prazo. Por isso, muita gente precisou aperfeiçoar seus dotes culinários –ou dar seus primeiros passos na cozinha.
Esse tipo de programa, portanto, cumpre uma função prática, de aprendizagem, ao mesmo tempo em que serve de entretenimento escapista para tempos sombrios –afinal, não deixa de ser hilário ver Paris Hilton servindo a convidados como Demi Lovato e Saweetie pratos preparados no mesmo balcão de cozinha onde ela põe seu cãozinho para caminhar.
Além da temática, há questões práticas envolvidas na onda de séries culinárias. O formato delas, normalmente, é barato, facilmente reproduzido e dribla os limites impostos pelo coronavírus, já que tendem a ser gravadas em ambientes controlados –no caso de "Selena + Chef" e "Sandy + Chef", as estrelas receberam uma câmera na própria casa e foram orientadas por chefs famosos por chamada de vídeo.
A disponibilidade de Sandy, Gomez e Hilton, sem shows para fazer, filmes para gravar ou festas babadeiras para ir por um ano, também é um fator a ser considerado. Foi, em resumo, a receita perfeita.
Aqui no Brasil, não foi só Sandy que se rendeu à onda gastronômica. O SBT lançou, no começo do ano, "Bake Off Brasil: Celebridades", um derivado da popular competição entre confeiteiros replicada no mundo todo. Participaram nomes como os atores Dalton Vigh e Maisa Silva, o humorista Júlio Cocielo e o hipnólogo e ex-BBB Pyong Lee.
"A gente começou fazendo especiais de fim de ano do 'Bake Off Brasil' com participações de artistas. A resposta foi muito boa e percebemos que havia um nicho que se encantava por isso", diz Gustavo Vaccari, diretor-geral do programa de competição.
"Nesse período, as pessoas estão mais próximas da cozinha, e aí nós observamos esse movimento, que começou com celebridades postando receitas nas redes sociais. Ver o artista que você gosta cozinhando é legal porque mostra a versatilidade dele –é algo pitoresco mesmo–, mas também mostra às pessoas que é possível fazer um prato legal sem ter conhecimento técnico."
Sucesso na emissora, "Bake Off Brasil: Celebridades" encerrou há poucas semanas as gravações de uma segunda temporada, que deve ir ao ar no começo do ano que vem. Outras competições que decidiram escalar famosos nos últimos tempos incluem a nacional "Rolling Kitchen Brasil" e a britânica "Celebrity Best Home Cook".
A possibilidade de aprender com gente chegada às câmeras traz um glamour especial para o ramo da culinária televisiva, mas também há certo fetichismo por trás dessa moda. Para alguns, pode ser divertido ver gente famosa se dando mal na cozinha, estragando receitas e, dependendo do seu nível de sadismo, até queimando e cortando um dedo ou outro.
"Eu acho que isso é real, mesmo quando a gente vê um erro de gravação, um conteúdo de bastidor de alguma coisa. Existe um apelo, uma curiosidade, de entender o que há por trás de uma pessoa famosa, e isso se reflete até nessa onda recente de reality show. O público quer encontrar esse lado da falha, da imperfeição, o que é totalmente diferente do que nós vemos num programa de um chef profissional, que cozinha perfeitamente", diz Monica Albuquerque, da WarnerMedia.
"Fui eu quem decidi parecer uma boba na HBO Max", confirma Selena Gomez num dos episódios de sua série.
Pode ser mais fácil aprender a cozinhar com Palmirinha, mas você dificilmente vai ver a cozinheira mergulhando um casaco de couro de milhares de dólares na massa crua de um bolo, como Paris Hilton faz –enquanto o público tenta entender se ela está embriagada, de ressaca ou só num dia normal mesmo.
O escárnio, no entanto, não é onipresente nessa recente onda de celebridades na cozinha. Há programas que levam o tema de forma mais séria, como o infantil "Waffles + Mochi", da Netflix, comandado por Michelle Obama e uma dupla de fantoches. A cada episódio, eles aprendem a cozinhar com chefs e recebem a ajuda de famosos como Jack Black, Gaten Matarazzo, Rashida Jones e Lionel Richie.
"Amy Schumer Learns to Cook" e "Stanley Tucci: Searching for Italy" são outros que passaram despercebidos, mas puseram as estrelas de seus títulos em jornadas pessoais de busca por novos sabores nos últimos meses. E há também aqueles que, privados de uma série própria, decidiram compartilhar suas receitas nas redes sociais durante a quarentena, como Jennifer Garner, John Legend, Mariah Carey, Joe Jonas, Taylor Swift, Emilia Clarke e Drew Barrymore.
Esse é um tipo de conteúdo com forte apelo, porque, afinal, todos comem. E é também atemporal. Uma receita publicada na internet continua sendo acessada pelo resto da vida, se for popular.
Num mundo de guerra de streamings, em que não apenas novidades, mas também a robustez de um catálogo com vida útil ilimitada são garantia de público, o formato culinário parece uma aposta segura e relativamente barata, ao lado de programas voltados a decoração e turismo, por exemplo. "São linhas temáticas permanentes, que mantêm as plataformas abastecidas, com uma oferta grande de conteúdo, e podem ser consumidos pelo mundo inteiro", afirma Monica Albuquerque.
É entretenimento universal, divertido e curioso, sem deixar de ensinar lições importantes ao público. Como essa, de uma Paris Hilton frustrada com uma louça suja que, ao que tudo indica, ela raramente encarou -"cozinhas não se limpam sozinhas".
- ONDE VER
- ‘Sandy + Chef’
- Estreia na HBO Max nesta quinta (11)
- ‘Selena + Chef’
- Disponível na HBO Max
- ‘Cozinhando com Paris’
- Disponível na Netflix
- ‘Waffles + Mochi’
- Disponível na Netflix
- ‘Bake Off Brasil : Celebridades’
- Segunda temporada prevista para janeiro, no SBT
- ‘Rolling Kitchen Brasil’
- Disponível no Globoplay
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