Selton Melo lança biografia e conta como superou trauma com o seu corpo e a balança

Ator e diretor revê quatro décadas de carreira, fala sobre uso de inibidores de apetite e comenta doença de Alzheimer da mãe

  • NAIEF HADDAD
Publicado em 23/12/2023 às 12h11
Selton Mello é convidado pela Academia do Oscar

Selton Mello lança biografia . Crédito: Zanone Fraissat/Folhapress

Selton Mello está prestes a completar 51 anos. Faz aniversário em 30 de dezembro. Mas não é a idade que causa surpresa, e sim o tempo de carreira. Em 1980, antes de chegar aos oito anos, ele já participava de programas de auditório. Ou seja, está há mais de quatro décadas dividindo-se entre cinema, televisão e teatro, ora como ator, ora como diretor.

Quase tão longa quanto a trilha profissional é a história conturbada ligada ao próprio peso, "uma vida inteira num efeito sanfona", como ele conta. Até então um menino prodígio, festejado por todos, Selton sofreu um baque quando diretores avaliaram que o garoto estava fora dos padrões desejados e deixaram de escalá-lo para as novelas. Tinha apenas 12 anos.

Numa carreira tão extensa, aquela foi a maior dificuldade, que só começou a ser superada três anos depois, como escreve no recém-lançado "Eu me Lembro". Não é uma autobiografia convencional. No ápice da pandemia, em 2020, Selton revirava fotos antigas quando percebeu que estava completando 40 anos como ator. Então, teve a ideia de convidar 40 pessoas para lhe mandar perguntas, que começaram a dar vida ao livro.

Cada capítulo parte das questões enviadas por um participante. Entre os convidados, há figuras consagradas da interpretação, como Nathalia Timberg, Tonico Pereira e Zezé Motta, e atores da mesma geração, como Lázaro Ramos, Matheus Nachtergaele e Rodrigo Santoro. Também estão no projeto nomes admirados por Selton, com os quais não tinha proximidade, como o romancista Jeferson Tenório.

No capítulo guiado por perguntas de Alice Wegmann, atriz da geração posterior à de Selton, ele comenta como o mal-estar com o próprio corpo se instalou definitivamente no início da adolescência. "Falavam para mim: ‘você é um baita ator, não vai engordar, hein?’ Isso é um absurdo, uma arma engatilhada para quem tem baixa autoestima. Nunca tive uma relação saudável com meu corpo."

Nesse trecho, Selton lembra o uso intensivo de inibidores de apetite, tema que jamais havia exposto com tantos detalhes. Passou a tomá-los em 1998, ano em que participou de dois dos mais importantes filmes da sua carreira, "Lavoura Arcaica" e "O Auto da Compadecida".

"Durante mais de dez anos, tomei pílulas que eram anfetamina pura", registra. "Eu tomava os remédios nas vésperas dos trabalhos. Tipo: ia fazer um filme daqui a quatro meses e já começava a tomar porque sabia que ia dar resultado em quatro meses. Quando acabava o filme ou a minissérie ou o que fosse, parava de tomar e engordava tudo de novo. Ou seja, uma total falta de amor-próprio!"

O pior momento do "efeito sanfona" se deu em 2008, durante as filmagens de "Jean Charles", produção sobre o imigrante brasileiro que foi assassinado pela polícia inglesa em Londres.

"Eu estava com 120 quilos, nunca tinha tido tanto peso na vida", diz Mello, que considera "80 kg e pouco" o seu peso ideal. "Tomava inibidores de apetite e comia loucamente. Era o remédio me dizendo: ‘não dou mais conta dessa compulsão’. Os inibidores não faziam mais efeito, foi a bomba atômica."

A crise o levou à terapia e às consultas com um psiquiatra. Expor o assunto no livro também teve "um efeito libertador", afirma. "Até hoje tenho dificuldade com essa compulsão."

A doença de Alzheimer da mãe dele, Selva, é outro tema sensível abordado em "Eu me Lembro". Daí a dúvida —ator preocupado com a privacidade, avesso a compartilhar questões familiares com o público, Selton não ficou reticente em falar sobre a situação da mãe?

"No começo, sim. Nas primeiras respostas escritas para o livro, na época em que a pandemia estava mais forte, eu não falava sobre esse assunto. O tempo passou, e a doença da minha mãe avançou", conta. "Hoje ela não fala, não enxerga, não come. Tudo é feito por soro. Aí descobri o sentido do livro: uma mãe perdendo a memória, e um filho que ama essa mãe recuperando a memória —não só minha, mas da minha família."

Evidentemente, o livro de 344 páginas percorre muitos outros temas, como as diferenças entre estar à frente e atrás da câmera; os filmes de que mais gosta –"O Bandido da Luz Vermelha", de Rogério Sganzerla, é um deles; a admiração pelos dubladores; e a relação com as drogas –"acho que sou vocacionado para a caretice".

No primeiro capítulo, Fernanda Montenegro pergunta como Selton foi se "livrando de todo o histrionismo didático, tão comum na nossa tradição teatral". Para respondê-la, Selton destaca a influência de Paulo José (1937-2021).

"Paulo me deu a confirmação do que antes eu apenas intuía. A simplicidade no ato de atuar, a exclusão do esforço, percebendo a atuação como um lugar leve", escreve sobre o ator com quem contracenou em "O Palhaço", filme dirigido por Selton em 2011.

O exemplo desse "ator referência", nas palavras de Selton, acompanhou-o em três filmes realizados nos últimos meses —"Ainda Estou Aqui", drama sob direção de Walter Salles, e "Auto da Compadecida 2", comédia conduzida por Guel Arraes e Flavia Lacerda, na qual retoma a parceria bem-sucedida com Matheus Nachtergaele, além do terror "Enterre seus Mortos", dirigido por Marco Dutra. Os três devem estrear nos cinemas em 2024.

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