'Uma negra que não seja pessoa pública vai ter mais dificuldades que eu', diz Taís Araujo

Segundo a atriz e empresária, o mercado publicitário se tornou mais sensível aos debates sociais e à promoção da inclusão e da diversidade. Agora, resta observar se a mudança será perene

Publicado em 20/11/2022 às 10h16
Thais Araujo fala sobre negritude e a conquista das mulheres pretas no ambiente artístico

Thais Araujo fala sobre negritude e a conquista das mulheres pretas no ambiente artístico. Crédito: Marcus Sabah/Divulgação

PAOLA FERREIRA ROSA

CAMPINAS - Faz três anos que Taís Araujo, 43, decidiu controlar a própria carreira. Desde então, ela cocriou, colaborou e participou de dezenas de ações de publicidade, algumas delas com marcas parceiras há décadas.

Segundo a atriz e empresária, o mercado publicitário se tornou mais sensível aos debates sociais e à promoção da inclusão e da diversidade. Agora, resta observar se a mudança será perene ou é apenas uma tendência passageira. Confira entrevista:

Quando e por que você decidiu ser sua própria empresária? 

Eu anunciei em 2019, mas tinha esse desejo há uns oito anos. Enrolei porque tinha uma relação de afeto com os meus empresários e não estava insatisfeita com eles. Eles estavam comigo há 13 anos, ajudaram a construir muito da solidez que eu tenho hoje na minha carreira.

Já o porquê é curioso. Com a chegada da internet, eu achava que deveria ter uma relação direta com o público -coisa que a gente só tinha no teatro. Eu queria criar para o público e falar diretamente com ele, sem intermediários.

Eu queria me tirar do lugar onde colocam os artistas, que é uma espécie de Olimpo, e estar acessível às pessoas. Essa é a maneira mais honesta de eu chegar no meu público, que na verdade é também o consumidor final daquele produto. Eu não queria chegar lá, segurar uma caixinha e dar uma risada no meu dia de folga, não fazia mais sentido.

Como você se preparou para essa mudança? Fez algum curso ou mentoria? 

Nesses anos eu fui pesquisando o mercado e entendendo como funcionava. Isso falando só de publicidade, porque a questão artística sempre foi feita por mim. Fui ler desde como você mensura [o trabalho], quanto se cobra, até qual é a estrutura que tem que ter: um advogado, uma secretária, alguém para filtrar.

Entendi que iria falar com todo o mercado publicitário, fui até uma amiga e parceira e pedi para ela me apresentar aos diretores das agências. Ficamos dois dias indo de agência em agência me apresentando, falando que agora eu estava à frente da minha carreira. Expliquei que eu queria criar junto com eles, mas em momento algum ultrapassar o lugar do time criativo.

Depois tive reuniões com empresários dos artistas do Brasil falando que poderiam vir diretamente a mim.

Contei que eu não tinha problema com os meus empresários, que, inclusive, continuaram cuidando dos contratos que eu tinha com eles antes. Eu fiz questão de mantê-los porque foram construídos junto. Estou à frente das negociações porque faz sentido para mim enquanto artista.

Como você avalia o mercado publicitário hoje e o que precisa mudar nos próximos anos? 

Eu vejo o mercado publicitário completamente diferente do que era quando eu comecei, três anos atrás. Era aquela velha piada: gringo chegava aqui, ligava a televisão e achava que estava na Suécia [país escandinavo majoritariamente branco].

Hoje em dia não é mais assim. Com tudo que tem se falado sobre representatividade, muitas marcas estão correndo atrás e tentando ter essa diversidade múltipla. Não só de pessoas negras, mas de gente diversa.

Agora a gente tem que esperar para ver se isso se sustenta. Porque eu não sou uma onda, você não é uma onda, a comunidade LGBTQIA+ não é uma onda, PCDs não são uma onda. Temos que entender se o mercado está achando que é só uma onda ou se está respeitando esses consumidores.

Eu, como consumidora, quando vejo uma marca em que não me sinto representada, não consumo. Essa é minha atitude política: eu não vou consumir porque não é para mim, porque eu não me sinto representada.

Acho que o público tem que entender o que significa esse respeito com o consumidor.

O que te faz assinar ou não um contrato publicitário, de novela ou filme? 

Na publicidade, o que direciona é se eu tenho afinidade com produto e a reputação daquela empresa.

Quando é um cliente que me interessa, eu quero estar junto e o valor financeiro não está à frente, eu peço para me ligar. Porque não é só sobre dinheiro, é sobre agregar valor à minha marca, que sou eu.

Tem marcas que quero estar junto, por mais que elas não tenham um orçamento dentro do que seriam os padrões de uma campanha minha. Me interessa porque eu gosto, tenho uma relação de afeto.

Eu digo muito não. Hoje em dia, que tem a agenda ESG e as empresas têm compromissos socioambientais e de governança, a gente fica muito mais seguro em relação à responsabilidade social e ambiental.

Se uma empresa errou, beleza, o que está fazendo para consertar? Qual é a agenda de vocês? Ninguém está aqui para cancelar. Se você errou, tem que reconhecer o erro e melhorar. Se eu acreditar no trabalho de melhora, posso estar junto com essa empresa.

Sobre trabalho artístico, aí vem muito do desafio, de coisas que eu nunca fiz. Eu tenho uma carreira longeva, já fiz muita coisa, quero coisas diferentes. Artisticamente, busco o exercício do inédito, do que nunca foi feito, para me sentir desafiada.

Como você concilia o trabalho como atriz, as demandas como empresária e sua vida pessoal? 

Eu tenho muito prazer nessa loucura. E eu administro tudo, tá? Brinco que estou tentando equilibrar os pratinhos, mas óbvio que não faço tudo sozinha.

Na empresa, eu tenho advogado e uma secretária. Ela recebe os orçamentos, a gente debate sobre o valor e ela responde. Na minha casa, tem gente que me ajuda com os meus filhos.

Só que eu estou à frente de tudo. A escola não vai ligar para minha secretária se meu filho estiver com dor, vai ligar para mim. Eu não terceirizo os meus filhos, a minha carreira nem a minha casa. Tudo passa por mim e depois eu delego para quem vai correr para o campo, para fazer a negociação, tocar a logística.

Eu vou fazendo tudo meio junto, mas isso estava me atrapalhando nas gravações. A gente tem [na Globo] um aplicativo com o texto. Eu entrava com o celular por causa dele e, quando via, estava respondendo orçamento, fazendo Pix

Comprei um tablet e entro no estúdio só com ele, que não tem WhatsApp. Agora eu faço as minhas cenas, quando vou trocar de roupa dou uma olhada e deixo o restante para o final. Esse tipo de organização consegui ter: de entender que não dá para fazer [outros trabalhos] enquanto estou em cena ou ensaiando. Nesse momento, a prioridade é a cena. Demorei para encaixar.

Você é uma personalidade reconhecida internacionalmente, mas não deixa de ser uma mulher negra. Como você observa a questão racial no meio empresarial? 

Essa é uma resposta muito difícil de dar. Talvez, se eu não fosse a Taís, eu encontrasse mais dificuldades. Todos esses anos de carreira me colocaram em um lugar em que as pessoas me respeitam muito.

E, para onde o mundo está indo nessa questão de valorização das pessoas negras, de entendimento das questões raciais -e muito por causa das nossas demandas, da nossa fincada de pé-, as portas já se abrem de uma maneira diferente para mim.

Mas também não deixo de ser uma mulher negra por conta disso. Eu sei que para o mercado hoje sou interessante. Estar comigo é interessante. Não tenho uma ideia romântica de tudo que está acontecendo.

Uma mulher negra empresária que não seja pública como eu vai encontrar muito mais dificuldade.

Eu encontro algumas? Sim, por ser uma mulher negra, por ser artista. Muita gente fala que artistas não pensam em dinheiro, só em arte.

Mentira. Eu penso em arte, em dinheiro, em continuidade, em quem veio antes, em quem vai vir depois de mim e nas minhas contemporâneas. A cada passo que eu dou, tanto artisticamente quanto no empreendedorismo, trago tudo isso junto de mim.

O fato de ser uma mulher negra faz com que eu não ande sozinha, as conquistas não são individuais. Jamais serão. E isso, para mim, para o tipo de artista que eu sou, torna tudo mais interessante, porque eu acredito no coletivo.

De que forma você direciona seu trabalho e empreendedorismo para apoiar projetos sociais? 

Eu fazia vários trabalhos pulverizados, até que resolvi concentrar no lugar só, a ONG Gerando Falcões. A minha ideia era convergir os clientes que eu tenho com a responsabilidade social, através da atuação da ONG, e é o que eu faço como head de produtos sociais.

Vou colocando as marcas [para trabalhar] junto com a Gerando Falcões de diversas maneiras: cocriando produtos, aliando um compromisso social da empresa com a ONG É gratificante estar junto com eles e acompanhar essa transformação.

Também estou sempre com o [jornal comunitário independente] Vozes da Comunidade e a Cufa [Central Única das Favelas].

RAIO-X

Atriz, empresária e apresentadora, estreou na TV em 1995, em "Tocaia Grande", e viveu sua primeira protagonista como Xica da Silva na novela homônima (1997), ambas na Rede Manchete. Na Globo há 25 anos, é uma das poucas artistas a ter contrato fixo com a emissora.

Em 2021, entrou para a lista da ONU dos cem afrodescendentes mais influentes do mundo pela segunda vez e para a lista das 500 personalidades mais influentes da América Latina, da Bloomberg Línea.

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