Admiro, aplaudo de pé o talento de quem abre o coração e canta – sem medo, a todo pulmão, e emociona. Crédito: Shutterstock
Nunca vou me esquecer da frase repetida inúmeras vezes pela obstetra que conduziu o parto normal do meu segundo filho. A cada contração ela dizia, "não tente controlar, Maria"; ou "pare de controlar, deixe acontecer"; ou ainda, "não controle, se entregue, sinta". E mesmo em meio a toda dor e confusão que se experimenta durante um trabalho de parto, aquilo ficou especialmente marcado. Além do quê, foi eficiente. Porque num determinado momento, eu de fato ousei abrir mão do controle que agarrava com afinco, e enfim, num grito profundo, pari meu filho.
Dois anos depois daquele dia, posso dizer que esta é uma certeza que carrego comigo: a entrega é mais poderosa que o controle. Apesar de mais difícil.
Estar hic et nunc, aqui e agora, é estar entregue. Imerso. Sem pretender controlar o futuro, nem se deixar controlar pelo medo.
Sempre senti inveja daqueles que cantam. Invejo mesmo. Admiro, aplaudo de pé o talento de quem abre o coração e canta – sem medo, a todo pulmão, e emociona. E apesar da paixão, este ainda é um campo extremamente inseguro para mim. Já fiz aula, treinei respiração, já tentei, enfim. Mas a verdade é que sigo frustrada. Desconfio contudo que, para além da técnica, cantar depende de uma profunda entrega. É preciso estar presente e confiando em si. Confiando a ponto de estar alheio ao julgamento externo e de abrir mão do desejo de "fazer o certo". Porque ainda que haja dom de sobra, cantar ou qualquer outra dádiva, deve se dar sem muito pensar – deve ser por prazer, deve ser como nascer, deve ser intensamente livre, como um pássaro no ar.
Taí, gaiola é mais uma invenção que quer controlar. Aliás, para reles mortais que somos, nossa ambição é mesmo gigante: pretendemos dominar uns aos outros, controlar o tempo, prever a natureza, comprar e vender seguros, estipular metas, mensurar vidas e explicar mistérios... Ou seja, nossa pretensão é, ao mesmo tempo, uma piada e uma tragédia.
Em realidade, vivemos uma grande ilusão.
Nos deixamos iludir pela ideia que podemos ter o controle nas mãos; nos deixamos iludir por ideias quantitativas – de quanto mais ricos, mais felizes; ou quanto mais magros, mais felizes; ou quanto mais famosos, mais felizes; iludidos pela ideia de proporção entre controle e satisfação.
Mas, repare, só nos deixamos iludir porque é mais fácil assim... A verdade é que quando não sabemos exatamente o que queremos – ou tememos falhar, nos deixamos influenciar por fatores externos. Neste caso, as opções a nossa disposição são aquelas (insistentemente) sugeridas pela mídia, pelos órgãos de controle, pelo mercado de consumo, pelo sistema, pelo medo.
E de tão condicionados, perdemos de vista aquilo que realmente queremos. E pouco a pouco, também nos tornamos "controladores" de tudo, inclusive de nós mesmos. Na prática, todas essas amarras encolhem nossa liberdade e empobrecem nosso universo interno.
Finalmente, ser livre é o que queremos. (É o que quero). Mas ser livre de verdade é estar desapegado até do próprio ego. (O que é difícil – mas, vale a tentativa. Todo santo dia).
Eu queria um parto normal, mas tinha medo. Quero cantar, mas tenho medo. Quero ser boa mãe, mas tenho medo. Quero ter sucesso, mas tenho medo. Quero conhecer minhas limitações e confiar no meu desejo. Confiar a ponto de me entregar. Confiar sem desistir facilmente, nem ficar tentando para sempre. Confiar com gratidão e sem expectativa. Confiar, sobretudo, na força da vontade – que não pretende manipular os desfechos, mas é valente o suficiente para não se deixar controlar pelo medo.
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