• Maria Sanz

    É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: aterrissagem

Publicado em 25/08/2024 às 14h00

Voltar de um festival transformativo é como operar uma aterrissagem de paraquedas. A transição dos “pés nas nuvens”  para “pés no chão” precisa ser suave… Do contrário, machuca. Do mesmo modo, sair do “tempo fora do tempo” e voltar ao tempo linear, ou da utopia para a realidade cotidiana, pode ser uma operação delicada.  

Me arrisco até a dizer que essa talvez seja a parte mais desafiadora da experiência.

Dessa vez, contudo, me sinto mais sabida e escrevo essa crônica confiando que essa aterrissagem, digo, a transição não precisa ser assim tão complicada. 

Vejamos.

Durante os festivais transformativos, abandonamos a percepção daquilo que conhecemos como tempo linear, ou aquele determinado pela mente analítica, e entramos em outro reino que oferece profundas oportunidades de aprendizado, cura e selvageria: o tempo fora do tempo. Há quem o chame de tempo eterno. 

Este é o reino temporal da espiritualidade e de toda a criação.

Nesse espaço, você está conectado ao seu eu maior, esse que não precisa ser um conceito distante, etéreo ou vago, mas íntimo. Se você o experimenta vezes o suficiente, durante momentos de alegria, encantamento e êxtase, você se familiariza com ele. Nota: êxtase é um termo derivado do grego “ex stasis”, que significa literalmente estar fora de si mesmo, além dos limites habituais da mente

Isso acontece quando a mente analítica e os limites habituais do nosso ego se dissolvem e novas conexões são formadas no cérebro, novos caminhos neurais surgem, e uma nova versão de si mesmo é criada. 

E quando isso acontece, o tempo também se torna fluido: pode passar mais rápido ou mais devagar do que o habitual.

Mulher dançando diante do sol

Em festivais transformativos você está conectado ao seu eu maior. Crédito: Shutterstock

Nesse estado de presença experimentamos o fluxo, a sincronicidade, a telepatia… Magia mesmo. E isso é justo o potencial desse tempo fora do tempo: nossos limites se dissolvem e a gente se conecta com o agora, com a presença, com a nossa intuição, com os outros e com a sabedoria atemporal!

Perceba, no esquema da sociedade em que vivemos, cada um de nós tem uma narrativa dominante, além de inúmeras histórias que contamos sobre nós mesmos. E nesse tempo fora do tempo são justo essas crenças que vão se desintegrando lentamente, na medida em que o pensamento se flexibiliza e novas pontes neurais são construídas. 

Detalhe, tudo isso acontecendo 2024, enquanto nossa visão de mundo passa pelo que talvez seja a mudança mais fundamental da história humana: a pesquisa quântica e a ciência começaram a validando muitos princípios espirituais. 

Narrativas alternativas estão surgindo de todas as direções. E isso é maravilhoso.

Pessoalmente, sinto que é hora de trazer as vivências do festival utópico para o mundo real, e poder enfim contribuir para ampliação da nossa consciência transformadora. Esse é meu desejo.

Sem dúvida, na volta a vida acelera com a quantidade de tarefas que ficaram suspensas durante a viagem de imersão, mas mesmo assim, ainda consigo parar e respirar profundo, ligar o som e dançar sozinha no banheiro, me envolver num estado de criação em absoluta presença… Admirar a beleza descomunal da lua cheia. É assim voltar para meu estado maior.

É possível acolher esse estado diariamente, mesmo quando ele se sente tímido imerso na vida cotidiana.

Novamente, há anos a neurociência e a física quântica confirmam: aonde a atenção vai, a energia flui. 

Por isso colocar em prática ao menos duas vezes por dia esse estado de êxtase, ou de presença plena, praticado no tempo dilatado, me faz construir a cada dia a certeza de que o meu ser selvagem (e magnífico), que dança com total entrega não é apenas uma experiência passada, utópica… Ela é real e se manifesta através da minha simples presença.

Maria Sanz Martins

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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