• Maria Sanz

    É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: Bom dia, diversidade

Publicado em 29/01/2023 às 05h00
Festa, balada, diversão, dançar

Faz tempo que eu não passeio pela escuridão de brilhos néon e luz negra onde não se enxerga quase nada, além da psicodélica decoração fluorescente. Crédito: Shutterstock

Ela me encanta, me fascina.

Me fascina porque... (é difícil de dizer).

– Talvez a diversidade me fascine porque só através dela eu possa exercer meu esporte favorito: o de ser exatamente como você. Única.

Era noite, e à noite, como bem se sabe, todos os pardos são gatos. Era festa de música – trance, no caso. Era do outro lado do mundo.

Era uma enorme reunião de pessoas de todos os tipos, idades, cores e nacionalidades, com um propósito comum e exclusivo: diversão.

Era dança. Não haviam bate-papos, ti-ti-ti, comprimentos, nem comentários. Naquela festa éramos autistas anônimos porque o único entendimento possível eram as batidas.

Batida forte que crescia, corria para o sul, contornava para o norte; depois retrocedia, abafava (ficava baixo) e, de repente, voltava a evoluir, pouco a pouco crescendo, crescendo até fluir novamente. Potente. Gigante. Explosão!

A gente cavalgava batendo o pé no chão, embolado na multidão.

Impossível não se contagiar. Sinestesia. (Festa "rave" era delícia...)

Saudosismo... Faz tempo que eu não passeio pela escuridão de brilhos néon e luz negra onde não se enxerga quase nada, além da psicodélica decoração fluorescente. Tempo que não circulo entre os vultos fazendo as vezes de meninos e meninas de óculos escuros. Tempo que minha visão não enxerga com único espetáculo possível o movimento regido pelo ritmo.

Nota: vou me abster de comentar aqui sobre os aditivos típicos deste tipo de aglomeração (raízes, gotas ou pílulas que reproduzam sensações paradisíacas). Primeiro porque não quero entender sobre isso. Depois, porque, além de medrosa, sou de outro partido.  Mas, também não me filio aos careta convictos. (Aliás, não suporto o tipo que usa máscara e acha bonito encher a cara, para depois encher a boca e apontar o dedo). Cada um que curta à sua maneira e que se responsabilize por isso.

Mas, voltando àquela festa (Deus me livre – quem me dera). Ainda era noite escura e aquecidos, sob o efeito das batidas, dançávamos pardos até que o sol se espreguiçasse de mansinho e o céu passasse, sutilmente, do negro ao marinho.

Enquanto isso acontecia, devagar como num bocejar preguiçoso, rostos íam surgindo. De repente, cabelos ganhavam tons; aos meus olhos, algumas poucas pessoas ganhavam nomes, e muitas, apenas, fisionomias. Pés deixavam rastros e, enfim, lebres, coiotes, cães e gatos deixavam o anonimato.

Naquela noite, quando o sol pôs os dois pés no horizonte e azulou de vez o céu, o fez nervosamente. Quente! Mais radical que o DJ mais esperado, Skazi.

Contudo, para mim, o que o Astro Rei revelou, além do calor, foi a Diversidade...

É, este tipo de festa é mesmo um convite à liberdade (de expressão) – razão pela qual cada um se veste e usa aquilo que bem entende – quando entende, é claro (sim, porque, quem não sabia do que se tratava caiu na esparrela de ir usando cloutch e salto fino). Também é curioso ver tribos adolescentes, nitidamente distinguíveis (a tribo de short e bota pata de... não sei, algum bicho grande; a tribo dos meninos boné para o lado, sem camisa e, na boca, pirulito; a tribo de sandália rasteira, jeans e camiseta; a tribo dos divertidos, de chapéus, perucas e afins; a tribo fashion de óculos aviador espelhados e regata importada...). Tribos, tipos, curiosidades, caretas, disfarces... E, eu.

26 anos, sozinha, entre os achados e perdidos, daquele mar colorido, curtindo a aventura de ser minha única cúmplice.

*Claro, não é preciso ir a uma "rave" e esperar o sol nascer para se sentir assim. Basta recordar do tempo em que fomos parte de um grupo regido por um ritmo uníssono (o da turma da escola, do futebol, do clube, da rua...), e nos darmos conta de que sim, é gostoso ser um vulto na multidão, mas quando a maturidade amanhece, aí não tem jeito.

Ou a gente abraça a própria diversidade; ou passa o resto da vida lutando para ser adequada...

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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