Crônica: Encruzilhadas. Crédito: Pexels/Pixabay
Quero sair pra dançar com as amigas, mas quero dormir de conchinha; quero ir à praia, mas quero ficar aqui e escrever; quero tomar caipirinha, mas quero aquele vinho branco geladinho; quero ir pra Amazônia, mas não quero deixar de estar com meus filhos; quero espaguete à carbonara, mas penso na truta grelhada; quero ir ao cinema, mas quero ficar em casa; quero estudar piano, mas quero fazer aula de canto; quero ler Ouspensky, mas quero ficar na varanda jogando conversa fora; quero ter uma marca, mas quero encarar meu processo nas artes; quero dormir até tarde, mas quero ir patinar cedo no calçadão; quero te dar colo, mas quero cuidar de mim; quero ficar, mas quero ir; quero assim, assim, assim...
Dizem que somos uma enorme fábrica com várias máquinas diferentes, todas trabalhando em velocidades próprias, com combustíveis específicos e em direções únicas. Ou, sendo menos metafórica, dizem que há quatro seres independentes em nós, quatro mentes: instintiva, intelectual, motora e emocional. O centro instintivo, por exemplo, pode existir de maneira totalmente independente dos outros centros. O centro motor e o intelectual também podem existir sem o emocional. E assim por diante... (Um cadim complexo.)
Mas, pensando bem, só essa teoria já seria suficiente para justificar as encruzilhadas que se apresentam em nossas vidas. Algumas muito simples, como a dúvida entre pistache e doce de leite; outras sofisticadíssimas, como a da minha amiga, que quer se separar do marido, mas prefere ficar casada. Maiores ou menores, todas, questões recorrentes. Sabemos disso.
Encontramos a encruzilhada porque existe uma diferença entre como pensamos e como sentimos; como nos movemos e como reagimos.
Na verdade, é preciso alguma prática para distinguir pensamento e sentimento, por exemplo. Porque enquanto o sentimento indica a saída pela porta da cozinha, o pensamento aponta para o sofá da sala, e do lado de fora, no corpo, o que acontece é um estado de confusão, com pele eriçada e banho de lágrimas.
Às vezes falamos por falar, pensamos por pensar, queremos por querer, agimos por agir... De modo que é preciso algum esforço para 'fazer o falar', 'elaborar agir', 'distinguir o sentir', 'desenvolver o pensar', enfim.
Porque no instante em que queremos ir numa determinada direção e nossa emoção nos conduz para outro lugar, fica claro, por exemplo, que nossas emoções precisam desenvolver uma inteligência própria, um modo de controlar e praticar melhor suas expressões.
É mais ou menos assim, se o coração quer falar alto, melhor que ele tenha certeza do que dizer. E mais, melhor que seja robusto suficiente para saber como o fazer.
Se formos muito sucintos, é o seguinte, cada centro, ou cada máquina, se capacita na medida em que a fortalecemos.
Então, se centro intelectual é bom de comparação, e trabalha com afirmação x negação; e o instintivo é mais simples e se determina a partir do prazer x dor; e o emocional, o mais complexo deles, usa os parâmetros de agradável x desagradável (acessando padrões, memórias e o diabo à quatro); e o motor ou mecânico opera a partir de todos eles, então, o caminho é aprender a diferenciá-los. Só isso. Só que, obviamente, não é fácil... (Mas é possível, dizem).
Enfim, pessoalmente, fico com a intercessão. Moro no encontro entre as máquinas-mentes-centros que me compõe. Ora aceitando a alteridade, ora fazendo como os artistas: trabalhando com todos simultaneamente.
É, talvez eu seja: a guia da encruzilhada de mim mesma.
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