A intenção empregada quando se penteia os pêlos dos cílios quer produzir sentido e o olhar. Crédito: Freepik
"A felicidade, no reduzido sentido em que a reconhecemos como possível, constitui um problema da economia da libido do indivíduo. Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo. É uma questão de quanta satisfação real ele pode esperar obter do mundo externo, de até onde é levado para tornar-se independente dele, e, finalmente de quanta força sente à sua disposição para alterar o mundo, a fim de adaptá-lo a seus desejos", Sigmund Freud.
Levante a mão se você é dessas que acredita que a energia com que se passa o rímel (o batom, a camisa, a vida...) faz toda diferença.
Nessa crônica, vou advogar em nome da nossa essência (criativa).
Você acredita que se seguirmos o percurso sugerido pela própria libido produziremos sentido?
Pense comigo: o motor de nossas ações sempre estará atrelado aos nossos... (Aqui a palavra não é "pensamentos"... Também não é "sentimentos"... "Intenções", também não...) – é isso: atrelado ao combustível do inconsciente, o desejo.
O índio em mim, o bicho que sou, o sujeito, o ancestral, o primitivo, o genético, o cósmico, o que "ainda não aprendeu a concluir" em mim, é quem me mantém em extravio. Sigo à deriva. Não me rendo (à realidade, essa bruxa) por absoluta convicção do meu desejo.
Desconheço a rota de propósito. Escrevo para descobrir, desenho para descobrir, danço para descobrir, pinto o rosto para descobrir, me dispo e me visto para descobrir. Chego às beiras, visito as cercas, saio do raso, subo ladeiras, ostento contradições, descubro, me torno, reviro, contorno, dou a letra, escondo a bola e me fantasio de mim mesma enquanto sou levada pelo cabresto do desejo. Tudo, para "descobrir".
Mas a vontade, que nos mobiliza e se realiza de variadas maneiras, não tem pretensão de chegar, não tem objetivos, nem tem grandes compromissos com a verdade. Perceba. Porque o engano, a fantasia, a ilusão, a criação, como queira, quer satisfazer um desejo, sem satisfazer qualquer necessidade. De modo que estas palavras aqui impressas, não matarão nem sede, nem fome. Aliás, mal matarão seu tempo. Mas ainda assim, me salvarão. Estas palavras em forma de crônica são as pegadas percorridas pela libido que me guia, me salva e alivia.
Descobrimentos... Já disse, o caminho é absolutamente desconhecido. Escrevo para descobrir. E porque há prazer, há também uma colher de culpa. (Escrevo, ainda assim). É uma ação que busca (criar pra satisfazer).
Falando nisso, lembrei do que disse sobre o rímel, lá no início. Assim como na escrita, a intenção empregada quando se penteia os pêlos dos cílios com a cera negra, fica. Ela, a intenção, quer produzir sentido e o olhar, assim como o papel, obediente, se rende à marca do desejo.
Finalmente, em cada um de nós existe uma parte do cérebro que não foi sacrificada pela fundação do senso de realidade. E essa parte é essencialmente criativa. Ela cria e acredita. Acredita ser capaz, inclusive, de recriar a realidade. Por isso, quando ela diz "eu quero" também está dizendo "eu posso", ou pelo menos "acho que posso". E assim, cada molécula do corpo acompanha o "anti-raciocínio" – dos dedos dos pés às pontas dos cílios.
Nota final: por favor, não deixe de assistir ao filme do diretor Baz Luhrmann's "Elvis", nem tampouco ao documentário "Moonage Daydream" sobre a vida criativa de David Bowie. Ambos são sobre isso.
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