Estar casado é pegar a pessoa que você mais gosta de ficar junto no mundo e passar o resto da vida dormindo na mesma casa. Crédito: Shutterstock
A vida rosna. O grave bate, alguém bate à porta, o telefone toca, a música te chama. Muita gente, muita luz, muita cor: pra todo lugar que a gente olha, o mundo nos convoca.
Certamente você já tentou dormir com uma festa rolando lá fora. E sabe os efeitos psicológicos provocados por uma música alta e um bate-papo, misturados ao barulho de copos e gargalhadas. É duro. Ou a gente fica irritado, ou bastante tentado... A única possibilidade de ficar em paz numa situação dessas, é quando, do lado de dentro, você também está vivendo uma festa.
Você sabe. Do lado de cá, no quarto fechado, na penumbra da intimidade, no morninho do edredom, no cheiro do abraço, no cochicho safado, no dengo dos pés que se arrastam. No perfume de banho tomado, no cabelo molhado e em cada centímetro quadrado que te deixa absolutamente confortável... Festinha particular, modesta – mas diária.
Esse é o espírito do casamento. Ou deveria ser – eu acho. Porque, pense comigo, estar casado é pegar a pessoa que você mais gosta de ficar junto no mundo e passar o resto da vida dormindo na mesma casa. Se pegando, namorando, discutindo, arrumando pra desarrumar de novo – cama, cozinha, sala. Lavando louça, roupa suja, o banheiro e o cabelo um do outro. Fazendo sopa, amor, manha, brigadeiro, pipoca, pirraça, fazendo filho... Trocando fralda, lâmpada e, urgentemente, o microondas – que deu defeito, mas ainda esta na garantia. Passando os canais da TV, depois outra meia hora escolhendo filme no Netflix – e brigando por isso. Passando o dia a limpo, de noite, na varanda, tomando chá de gengibre, água fresca, cervejinha ou vinho. Fazendo lista de compras, fazendo planos, fazendo nada... Pensando no futuro, acordando e dormindo juntos.
Todos os dias cheiro de pão, de café, sabonete de maçã verde, bafinho de neném. Cheiro de bolo assando, de incenso queimando e cheiro de chulé. Gosto de pasta de dente, de loção pós-barba, de Gelol e de hidratante. Álbuns de fotografia na cristaleira, ímãs de geladeira na gaveta, sapato pelo chão, meia na cadeira, fio de cabelo no queijo, "gente, olha essa bola no fogão!". Gaveta de calcinha, bacia de meias, sapateira cheia, toalhas de banho na prateleira. Malas de viagem, escovas de cabelo, bolsinha de remédios, parede de fotografias... Supermercado, farmácia, feira, padaria, loja de material de construção. Amantes, amigos íntimos, implicantes, parceiros, cúmplices, ciumentos, bagunceiros... Adultos garimpando maturidade, ou pais em processo de aprendizagem – todos, equilibristas rodando pratos.
Casados.
No papel ou não! Juntos por escolha do olfato, do afeto, do desejo, do desassossego, da vontade de ficar colado. Casa (de festa) própria – ora Schopenhauer, noutra Metálica. Cenário, contexto, brigas e pazes. Fases.
Contas a pagar, objetivos, vitórias e derrotas. Alegrias, surpresas, desafios enormes. Filhos, amor, família, valores delicados, sensíveis ao mundo lá fora, que fala alto, chama, insiste e instiga. Até que... Apazigua. Porque cedo ou tarde, chega essa hora em que fica tão bom do lado de dentro, que a gente não quer mais ficar lá fora.
Ok, às vezes demora... Porque existe aquele insistente detalhe: por melhor que seja, ficar casado nunca é fácil. Organizar essa festa (modesta) diária, como se sabe, requer muita, mas muita entrega, paciência, habilidade, carinho, boa vontade, audácia, desejos, temperos, pimenta em conserva, alguns segredos, saudades guardadas, flores no vaso, almoço na mesa e cama desarrumada. Exige ouvidos de ouvir, coração de perdoar, olhos de penetrar e braços de aconchegar.
Ao menos para mim, enquanto o pau quebrar lá fora, é de conchinha que eu quero me encontrar.
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