• Maria Sanz

    É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: Finge comigo?

Publicado em 23/07/2023 às 07h00
Melancolia, pôr do sol, tristeza, reflexão, lago

A realidade, na verdade, é para poucos. Aliás, poucos, entre os quais, não me incluo. Crédito: Shutterstock

Note: até para dormir de verdade, é preciso antes fingir que dormimos.

Veja se concordamos... Uma boa mentira é sempre um ato de sedução.

Uma, porque, estranhamente, o que ainda não existe de fato é algo extremamente desejável. Outra, porque o que não é esperado, ou aquilo que supera nossa expectativa, tende a ser admirável.

Erótico é o proibido, o inesperado, o novo. Familiar, o oposto.

Porque o desejo leva ao sexo, que leva aos filho, que gera a família, que dá segurança, que mata o desejo. – É, o ciclo romântico é um verdadeiro perigo.

Agora responda: o que você faz parar querer o que você já tem?

– “Fingindo que não tenho!”

(Quem disse isso é um grandessíssimo sabido).

A realidade, na verdade, é para poucos. Aliás, poucos, entre os quais, não me incluo. – Você sabe, pequenas porções de ilusões, amores inventados e mentiras sinceras me interessam.

Mas não sou só eu. A vida amorosa também exige algum talento para a imaginação, fingimento, faz de conta, teatro... Ora, humano é ser assim: por um lado ansiar pela segurança, proteção, confiança e durabilidade nas relações; por outro, desejar (na mesma medida) a aventura, o mistério, o risco, surpresa e o inesperado.

Acontece que, na prática, isso é pra lá de complicado.

Fazer o que se o fato de ter inibe o ato de querer? Se deixar transparecer que precisamos do outro é o avesso de um afrodisíaco? E se a posse é o túmulo do desejo?

Claro, existem muitas formas de desejar o que já se tem, mas, duvide não... Todas elas envolvem a imaginação.

Por exemplo, na maioria das relações, quando um dos pares está distante, viajando, o cérebro aciona a possibilidade de imaginar o outro. Visitamos mentalmente seu corpo, seu rosto, o som da voz e os melhores momentos vividos juntos. Pouco a pouco, memórias afloram, a saudade se instala e – pimba! – o desejo se renova.

Do mesmo modo, sempre quando vemos nosso parceiro em um cenário diferente, especialmente num espaço que só pertença a ele – pode ser no ambiente de trabalho; no palco; praticando um esporte; tendo uma conversa com um pessoa estranha, mesmo que seja ao telefone; ou em qualquer outra circunstância em que esta pessoa que nos é tão familiar, instantaneamente nos pareça misteriosa – bum! – a imaginação entra em cena. E quando ela trabalha, o desejo sempre dá as caras.

Novos olhares são caros, mas não exigem nada além de imaginação. – Por isso, para além de uma forma de linguagem, a imaginação pode ser considerada uma incrível habilidade.

Nota: estudiosos dizem que sexo não é uma coisa que você faz. Sexo é um lugar que você visita dentro de si, com outra pessoa. (Ou sozinho).

Razão pela qual, no fim das contas, o que sustenta o desejo é essa energia para se conectar consigo mesmo.

Espaço próprio! Espaço para poder olhar o outro de um ponto de vista que nos permita imaginar os mistérios que o habitam. Espaço para imaginar a espera. Espaço para imaginar a dúvida. Espaço para imaginar a entrega.

Esta, finalmente, é a liberdade necessária para cultivar o desejo. E mais, só assim podemos viver o melhor de uma relação: sentir a segurança de um amor tranquilo, sabendo fingir que não.

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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