A cronista Maria Sanz versa sobre o ato de ser livre. Crédito: Shutterstock
“Ser livre é dar a si mesmo a sua própria lei” Jean-Jacques Rousseau. Mas, veremos adiante, o real sentido dessa frase não é o que parece ser.
Em essência, somos condicionados pelo meio em que vivemos, pela forma como fomos criados e pelos genes que nos formaram.
Diante disso, em que termos podemos falar sobre a liberdade?
Como? Se para o ser humano a servidão parece sempre a melhor opção…
Perceba, cultivamos de partida uma sensação de segurança no "grande outro" e constituímos um pacto de disciplina e sujeição. Fato. Mas, não sem alguma revolta, para além da imanente devoção.
De modo que somos divididos, partidos ao meio.
Parte quer ir, a outra quer ficar, parte quer abrir, outra quer fechar, parte que obedecer, outra quer anarquizar… eis a questão.
Diferentes das tartarugas, que chegada a hora quebram a casca e atravessam a areia em busca do mar, nós humanos nos alienamos no desejo do outro desde o nascimento.
Somos nutridos através dos vínculos afetivos, circuitos estes que contribuem na formação das nossas pulsões, sintomas e compulsões, ou seja, da nossa porção não governável, do animal em nós.
De modo que somos todos constituídos por uma espécie de "memória involuntária". Essa que a consciência não dá conta de representar, e que exatamente por isso, habita o que chamamos de inconsciente. Ele que é fantasmático, mas determina a estrutura do nosso pensamento como um todo. Puxado!
A história que nos precedeu é feita de camadas e camadas de "desejos desejados", assim disse o filósofo Alexandre Kojève acerca da nossa arqueologia social.
Pense nisso: não só nossa psique, mas também nossos corpos contam a história dos "desejos desejados" de nossos antepassados. Há, portanto, uma dimensão histórica, um pedaço do passado de nossos ancestrais em nossas inclinações, pulsões, sintomas, em nosso inconsciente…
Ou seja, herdamos uma espécie de "fantasia social", ou seja, uma gênese dos desejos que nos precederam e que comparecem em nós como um fantasma, nos fazendo agir "como se" (por exemplo), fossemos culpados, ou menores, ou maiores, ou isso, ou aquilo.
Por isso quando estamos prestes a vencer ou a mudar, tendemos a regredir, ou nos sabotar. Trazemos uma sensação nostálgica de subordinação à alguma força superior que, de modo geral, nos melancoliza e assim, voltamos atrás.
Enfim, perceber que nossos desejos não são completamente nossos pode nos levar à seguinte questão: como podemos ser livres se carregamos em nós o "desejo desejado" por outros?
– Quando admitimos a possibilidade de uma nova forma de pensar, muitas vezes, estranha à consciência.
O ato livre não é aquele estabelecido por uma lei própria, individual. Ao contrário, é aquele que tem uma certa abertura ao que não controlamos completamente. Ele é desinteressado e ressoa continuamente com horizontes comuns.
O ato livre despersonaliza a experiência de dominar ou ser dominado, vencer ou ser vencido. Ele é um ato que coloca o outro no lugar de si mesmo, e vice versa.
Haja visto que "o outro" pode ser tão estranho quanto "o estranho" que me habita.
Então, o maior exercício de liberdade segue sendo aquele que o Mestre nos ensinou: ama ao próximo como a ti mesmo. Mesmo.
No lugar de procurar culpados, ele inova.
Ele sai do conflito, seja com o outro, seja com a ordem social, e dá a volta! Ele reinventa, recria, potencializa, vai além, liberta.
No ato livre, ao invés de reclamar ou me expressar diante da impossibilidade colocada pela norma social, que me impede de realizar, eu assumo a responsabilidade; e ao invés de culpar a norma ou o outro, avalio e trabalho minha própria força de ação.
É hora de sair da defesa para ampliar o ato.
Lembrando a frase do início, "ser livre é dar a si mesmo a sua própria lei", pensei da máxima que diz: ser "causa de si mesmo" é um atributo de Deus.
Estamos aqui como seus mensageiros, "ação!"
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