• Maria Sanz

    É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: secretíssima sabedoria

Publicado em 23/04/2023 às 10h00
Na coluna desta semana, Maria Sanz versa sobre sabedoria, otimismo e paciência

Na coluna desta semana, Maria Sanz versa sobre sabedoria, otimismo e paciência . Crédito: khamkhor/Pixabay

Dia desses li numa revista que a pessoa otimista raramente sabe que o é.

Lógico, o otimista é o sujeito que, naturalmente, acredita que seus pensamentos são realistas! (Porque se ele soubesse que é um otimista, teria consciência da pouca probabilidade de realização de seus desejos).

E mais, as pessoas que têm expectativas positivas em relação a si, e sobre a vida, tendem a se esforçar mais. E (isso eu adoro) quem espera pelo melhor, aprende mais com os próprios erros (já que são sempre uma surpresa).

Quem afirma é a pesquisadora Tali Sharot, que associou neurologia à psicologia para provar que o cérebro humano produz otimismo como uma estratégia de sobrevivência.

Bem, eu acredito! (Talvez porque, sem querer, eu já soubesse de tudo isso).

Portanto, agora, além das de sobra, existem razões científicas para nos deixarmos embriagar pelas ondas positivas... "Não se preocupe. Tudo vai dar certo." Bob Marley já dizia.

Eu que sou uma otimista nata (sei porque sou inclusive criticada a respeito disso), nestes últimos tempos, a título de exercício profissional, tentei encarar a vida com mais seriedade, mais firmeza e menos apego à fantasia – cobradas normais do mercado de trabalho.

Mas, quer saber a verdade? O esforço para encarar a realidade me deixou menos corajosa, menos confiante, e, como consequência, menos sabida...

Tsc, é difícil explicar. Por isso, vou me apegar ao otimismo para contar uma historinha e acreditar que você vai captar o que digo.

Então, eis que em um papo entre amigas, ouvi um caso antigo, que se passou com uma delas no início da década de oitenta. Era sobre três irmãos, um menino e duas meninas.

Numa tardinha de sábado, seus pais saíram para o cinema dizendo que logo voltariam. Pois a tarde caiu, a noite chegou e eles não voltavam. Depois de mais de hora de atraso, o irmão mais velho e a irmã do meio começaram a ficar desesperados.

Ela choramingava, ele telefonava para os vizinhos do bairro e, de minuto em minuto, se revezavam na checagem do portão da garagem. E, enquanto os dois se descabelavam, a irmã caçula, nem te ligo: comia biscoito de povilho assistindo desenho animado.

Até que, de tanta agonia, a irmã do meio (que tinha uns dez anos), de repente, se plantou na frente da TV e, gritando, perguntou se a menina (que tinha apenas 6 anos) não sentia nada? ("Você não tem medo do que poder ter acontecido com a mamãe e o papai?", "Não pensa que quem vai cuidar da gente é a tia Noca?", "Não está apavorada com a possibilidade de se tornar orfã???"). E a garota, nada. Franziu de leve a testa, deu com os ombros e esticou o pescoço para continuar assistindo Papa-léguas. Comia biscoitos, tranquila, na dela.

Depois de mais de uma hora de atraso, o drama esquentou para valer com a chegada da furiosa tia Noca, que, naquela altura, já ligava para o hospital da cidade. Foi quando a menina caçula resolveu ir até a cozinha buscar um copo d'água e, ao abrir a porta da geladeira, teve uma iluminação.

Atravessou-lhe um pensamento secretíssimo: "eu sou diferente dos meus irmãos... Sou mais corajosa e mais sabida, porque sei, eu simplesmente sei que daqui a pouco papai e mamãe vão chegar em casa". Fechou a porta da geladeira e voltou para o sofá da sala.

Passada outra meia hora e a tia roía as unhas, as crianças choravam e a caçula nada de ficar assustada. De repente, o portão de ferro se abriu e o Corcel azul-celeste estacionou na garagem. O pai e mãe riam, brincavam dentro do carro como dois namorados. Mas assim que abriram a porta, ouviram os gritos de alívio do filho e toparam com cara de espanto de Noca. "Onde é que vocês estavam? Tá todo mundo preocupado!!".

E eles, de olhos arregalados: "Gente, o filme era muito, muito demorado. Tá tudo bem. Pronto".

Caso encerrado.

(Mais tarde, quando foram dormir, já com as luzes apagadas, a caçula perguntou à irmã o que era "motel"?). Ela ouviu a mãe na cozinha, rindo, enquanto dizia à Noca que passaram a tarde nesse lugar e por isso perderam a hora).

Pois é, hoje aquela caçula é uma mulher corajosa e uma profissional realizada. Talvez nem ela saiba disso, mas eu não duvido que a razão de seu sucesso seja o fato de ela jamais ter abandonado aquela tal secretíssima sabedoria...

(O otimista acessa o mundo sensível).

– "Capisce?"

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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