• Maria Sanz

    É artista e escritora, e como observadora do cotidiano, usa toda sua essência criativa na busca de entender a si mesma e o outro. É usuária das medicinas da palavra, da música, das cores e da dança

Crônica: Segredo público

Publicado em 05/02/2023 às 08h00
Bloquinho de Carnaval agita a criançada em Vila Velha

A fantasia é o caminho mais curto até aquele que secretamente gostaríamos de experimentar ser (só de brincadeirinha). . Crédito: Pixabay/anncapictures

E se existisse um tempo-espaço em que tudo fosse possível? Onde a gente pudesse escolher viver o personagem que quiser pra fingir, brincar, provocar e se realizar sem limites.

E se?

E se durante cinco dias o país inteiro se transformasse numa grande brinquedoteca com milhares de fantasias disponíveis, qual delas você escolheria?

(E por que mesmo?)

Então vamos trazer para o real. Qual vai ser sua fantasia nesse Carnaval?

Que traço da sua personalidade você (sem querer) pretende exaltar? Ou abafar.

E, afinal, o que aquela máscara diz sobe você?

Ó, e nem adianta torcer o nariz para a cronista, porque é verdade: aquele pedaço de pano brilhante que vai ficar jogado no chão do quarto, no dia seguinte ao baile, é sim uma pista sobre alguns esconderijos da sua personalidade.

Meus também, claro. Nas oportunidades que tive para me fantasiar no Carnaval, sublinhei clássicos do desejo da minha natureza. Já realizei a mangá, ou a boneca japonesa; a nega-maluca metida a besta; Hebe Camargo; onça-pintada; cigana vampira e tantas outras entidades... De modo que sou, ou quero ser, um pouco delas todas, com certeza.

Mas, antes de prosseguir com o assunto, um aviso ao respeitável leitor que se veste de mulher e que certamente já está esbravejando (eu einh, essa louca tá me estranhando?) - não é isso. Na minha teoria absolutamente desamparada de qualquer respaldo científico, essa fantasia a la "bloco das piranhas", não passa de um delicioso escracho, um ensaio sobre a própria habilidade de rir de si, um exercício de transgredir, ou um rabisco sobre a fêmea que aquele macho jamais seria! Porque no carnaval, como se sabe, tá combinado: homem que se veste de mulher é homem mesmo.

A fantasia é o caminho mais curto até aquele que secretamente gostaríamos de experimentar ser (só de brincadeirinha). A máscara, prerrogativa de liberdade (ainda que precária). A farra, ausência de amarras. E a festa, ocasião perfeita para pôr tudo isso (junto) em prática.

E assim, na folia o policial vai encontrar Frida Kahlo, o palhaço vai paquerar a Cinderela, o Batman vai beijar a sereia, o índio fotografar a bailarina, o presidiário tomar banho de serpentina, e o padre enche a cara de cerveja. Um amigo vai ser pajé, e o outro, Darth Vader. Virão Clark Kent, pai de santo, felinos mil, gatas, gatos e leopardos; irmãos mafiosos, Cleópatras e mágicos; odaliscas purpurinadas, passistas emplumadas, muitas diabas, uma Chapeuzinho Vermelho e de Copas, uma rainha!

Na brincadeira, de todo glitter, um pouco sempre fica. Um gostinho de ser o personagem escolhido... Uma memória de alegria, um perfume raro de princesa, um novo bigode mágico, um resquício de poder, um riso fora de hora, um trejeito que insiste. Qualquer coisa impregnada na pele que só sai depois de muitos, muitos banhos de realidade com sabonete de dia a dia.

Passa. Até que outro carnaval se anuncie reinaugurando a busca pelo que (secretamente) se quereria.

Enfim, vai começar a brincadeira. Abrirei meu armário e minha mala-secreta de fantasias. Vou rever minha boneca do cabelo rosa, minha cigana, minha Hebe e minha nega maluquíssima!

– Quem virá dessa vez?

Ainda não sei... São sempre novos os desejos (secretos) e, portanto, sempre novas as (públicas) fantasias...

Veremos outra vez.

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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