Danuza Leão viveu apontando as mentiras e sublinhando suas verdades em textos e falas. Crédito: Marcelo Prest
O primeiro livro de Danuza Leão chegou acidentalmente em minhas mãos. Eu devia ter uns 14 anos quando encontrei jogado no sofá uma espécie de manual de etiqueta moderno. Em tempos de epidemia do politicamente correto, quando só os "bem nascidos" tinham acesso às "boas maneiras" e o resto dos mortais morria de medo de errar (à mesa, por exemplo), Danuza veio falar abertamente – e com ironia.
Passeou pelas 'regras' e colocou no centro da roda um salva-vidas infalível, chamado bom senso. Foi um alívio. Me senti imediatamente íntima daquela mulher que apesar de entender tudo sobre frescuras e firulas, privilegiava a nobreza intrínseca à vida bem vivida.
Depois do clássico "Na sala com Danuza" tive vários outros dela, igualmente leves, ligeiramente ácidos, sempre cheios de curiosidades. Mas é sua autobiografia que, de todos, me é preferido.
– Ora, como não tornar-se cúmplice de uma Danuza protagonista – e conterrânea – esparramando suas memórias e verdades, entre lances e personagens literalmente inacreditáveis?
Confesso: “Quase Tudo” foi um livro que mexeu profundamente comigo. Talvez por tê-lo lido numa fase decisiva da minha vida amorosa – quando optei por largar tudo e ir pro mundo; ou talvez ainda, porque a história de Danuza se confunda com a de toda mulher que no lugar de faca e queijo, prefira a fome.
Me identifico com seu instinto observador; com sua paixão pelo que é simples e, ao mesmo tempo, extraordinário; com seu estilo inconformado, sua liberdade e, sobretudo, com seu maior parceiro de estrada, a verdade.
Aliás, em um de seus textos, chamado “Quantas Mentiras contaram” Danuza escancara que para nós mulheres, o pior não é só acreditar nas mentiras que nos fundaram... Pior que isso ainda, é nos sentirmos culpadas e incompetentes por não fazermos da vida uma sucessão de vitórias e felicidades (claro, sugerem ser fácil...). E enumera:
Uma das mentiras: é a que nós, mulheres, podemos conciliar perfeitamente as funções de mãe, esposa, companheira e amante, e ainda por cima ter uma carreira profissional brilhante
E decreta – “É muito simples: não podemos”.
“Não podemos; quando você se dedica de corpo e alma a seu filho recém-nascido, que na hora certa de mamar dorme, e que à noite, quando devia estar dormindo, chora com fome; não consegue estar bem sexy quando o marido chega, para cumprir um dos papéis considerados obrigatórios na trajetória de uma mulher moderna: a de amante. (...)
Mas as revistas femininas estão aí, querendo convencer as mulheres - e os maridos de que um peixinho com ervas no forno com uma batatinha cozida al dente, acompanhado por uma salada e um vinhozinho branco é facílimo de fazer - sem esquecer as flores e as velas acesas, claro, e com isso o casamento continuar tendo aquele toque de glamour fundamental para que dure por muitos e muitos anos.
Ah, quanta mentira!”
Essa era Danuza, uma leoa necessária que viveu apontando as mentiras e sublinhando suas verdades em textos e falas.
– Sem mais: uma fera. Que grande vida.
Eu digo, Bravo! Bra-vo!
Danuza faleceu nesta última quarta, dia 22 de Junho de 2022, aos 88 anos.
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