A beleza da vida está na presença dos amigos, no reencontro, nas brincadeiras na hora do recreio. Crédito: Freepik
São muitos os enfrentamentos que a educação atualmente precisa fazer. Dar conta de tudo e todos é colocar na pauta que, se por um lado o isolamento e o distanciamento social marcaram de forma incontestável a vida, os estudantes com deficiência continuam suas atividades reforçados pela invisibilidade na educação inclusiva.
E para falar sobre isso, preciso fazer menção ao Projeto de Lei aprovado na Câmara de Deputados, que regulamenta o homeschooling ou educação domiciliar no Brasil. Vale ressaltar que o tema, considerado muito relevante pelo governo, era conduzido por um ministro pastor e sem formação relacionada ao cargo que ocupava.
Ir para escola é aprender a estar no mundo
Adequar o aprendizado, desenvolver habilidades afetivas, reorganizar as matérias e reordenar os objetivos, tudo isso é parte do processo escolar que, ao ser transferido para a educação domiciliar, perde-se o que acontece na escola. Sem falar da convivência com os pares, que representa a vida em sociedade e sem ela não há cidadania.
A beleza da vida está na presença dos amigos, no reencontro, nas brincadeiras na hora do recreio e privar a vida pública das crianças é impedir de pensar e aprender juntos. Porque promover a educação é um ato de amor. Mas que nos dias de hoje, nos exige bem mais que preparar as mochilas, precisamos lançar mão da coragem para que a gente não fuja do debate, do conflito.
Casa é casa, escola é escola
A educação domiciliar como quer o governo agrava as desigualdades e gera novas ameaças, uma vez que os estudantes com deficiência estão entre os mais afetados por esta crise da covid-19. Já no terceiro ano, a pandemia marca o retorno à escola com vivências e sentimentos que podem ter deixado muitos impactos negativos, tanto na aprendizagem como também no aspecto socioemocional.
Com a aprovação do Projeto de Lei do homeschoolling, não vamos resgatar o sentimento de segurança e tampouco recuperar a vida e a aprendizagem, que o distanciamento tirou. E certamente a evasão escolar, que hoje está no ápice, estará legalizada. Que fiscalização dará conta de tantos direitos violados? De quais estudantes estamos tratando? Crianças em situação de rua, que vivem na miséria, negras, são elas quem mais cedo evadem da escola para ingressar precocemente no trabalho.
Educação é mais do que ensinar lições dos livros
Falando ainda das crianças com deficiência, mesmo em circunstâncias normais, elas historicamente têm menos acesso à educação, assistência médica, oportunidades de trabalho e participação nas suas comunidades. Entender a escola como promotora de direitos, incluindo outras diversas ações de prioridade e proteção de vida, deveria ser o único argumento a ser discutido e efetivado pelo governo.
Usar o argumento de que a família tem o direito de escolher, fere absolutamente todos os direitos da criança, de ser e estar no mundo. Tirá-la do convívio e das transformações de conhecimento que acontecem no espaço escolar é limitar o sonho de mudança de mundo que desejamos com a escola.
De quem é a responsabilidade?
Esconder as potencialidades da criança em casa, excluí-la da coletividade, é afirmar que a escola fracassou. E se pensarmos na infraestrutura, baixos salários dos professores, o nefasto decreto número 10.502, e a desordem com o FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, é reafirmar isso.
Quem vai assumir toda essa responsabilidade? Por que a tal PL foi votada em caráter de urgência na calada da noite? Quem sabe a resposta seja compreender que a liberdade e a emancipação que a escola proporciona não condiz com as práticas de poder e vigilância exercidas pelo governo? De se pensar...
Investir na educação pública de qualidade: esse é o papel do governo
A escola precisa melhorar e muito, todos sabemos, mas não podemos jogar no lixo anos de lutas e conquistas de um espaço de convivência coletiva de muitas leituras das relações humanas e suas várias dimensões.
Temos muito trabalho pela frente, e o maior de todos os esforços é não abrir mão da escola como projeto social de emancipação e constituição coletiva. Possibilidades e perspectivas melhores, é o que merecemos.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.
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