Monja Coen lança livro que traz reflexões para ajudar o leitor a se tornar o bem que quer ver no mundo. Crédito: Ed Armellini
Cláudia Baptista de Souza teve uma vida como poucos. Estudou em colégio de freiras, se casou aos 14 anos, se separou aos 17, trabalhou como repórter, iluminou alguns shows de rock e experimentou a tríade sexo-drogas-rock and roll. Mas, aos 27 anos, descobriu o poder da meditação. Anos mais tarde, se tornou Coen, a monja mais famosa do Brasil.
De família quatrocentona paulistana, filha de um empresário e de uma pedagoga, ela sempre foi uma questionadora. Na escola, questionou as freiras. Na vida, queria saber o sentido da existência. Buscando respostas, experimentou drogas. Provou e viu que não era nada disso que procurava. “Procurava por Deus e pelo sentido da existência. Fui encontrá-lo no silêncio das salas de meditação", diz.
A menina que gostava de James Taylor, Yes, América, Pink Floyd e Deer Purple encontrou na meditação transcendental o sossego. Acompanhando os primos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, do Mutantes, conheceu o segundo marido, o americano Paul Weiss, iluminador roqueiro do cantor Alice Cooper. Com ele, mudou-se para Califórnia e viu a vida se transformar.
Separou-se, mudou para comunidade Zen Center Los Angeles e depois viveu enclausurada durante sete anos num mosteiro em Nagoia, no Japão. Chamada de Coen (Co quer dizer “Só” e En quer dizer “Círculo”), foi a primeira mulher de origem não japonesa a presidir a Federação das Seitas Budistas do Brasil, em 1997. Três anos depois, fundou a Comunidade Zen Budista, em São Paulo.
Agora, a maior autoridade do zen-budismo no Brasil lança "Que sementes você está regando?" pela editora Planeta, livro no qual apresenta histórias e ensinamentos, e traz reflexões para ajudar o leitor a se tornar o bem que quer ver no mundo.
Ao longo de 27 reflexões e histórias, a autora convida a todos a perceberem o que estão regando em suas vidas e como sementes de raiva, tristeza, medo, hostilidade, frustração e desespero podem mudar e florescer amor, gentileza, cuidado, alegria e solidariedade. "O livro é um chamado para aprendermos a fazer de nossa vida uma fonte de ternura, ânimo, compreensão, sabedoria, equilíbrio e esperança. Para sabermos regar a bondade e conseguir transformar a realidade", diz a monja em entrevista ao HZ.
Do que se trata 'Que sementes você está regando'?
O livro traz histórias, ensinamentos e reflexões sobre o que estamos regando em nossas vidas hoje. Ele se propõe a ser um chamado para fazermos da nossa existência uma fonte de ternura, ânimo, compreensão, sabedoria, esperança e equilíbrio.
Por que a senhora decidiu escrever o livro?
Para mostrar às pessoas que, para uma vida mais harmônica em sociedade, devemos cuidar uns dos outros. Tudo origina do que fazemos, de como vemos os outros e a nós mesmos. Que sementes estamos plantando? Sempre é tempo de semear paz, compaixão, amor incondicional e cuidado.
O livro traz reflexões para ajudar o leitor a se tornar o bem que quer ver no mundo. Como termos compreensão e equilíbrio na vida?
Duas palavras são importantes: compreensão e equilíbrio. Podemos estudar, ler, conversar, fazer cursos e também nos sentarmos em silêncio e encontrar a essência do nosso próprio ser e o equilíbrio para nos manifestarmos no mundo. Zazen é o portal principal. Za é sentar e Zen é o processo de investigação profunda de si e do mundo.
É verdade que foi durante uma noite, ouvindo Beatles, que a senhora começou a se questionar sobre algumas coisas?
Não exatamente. Os questionamentos existenciais surgiram por volta dos 11 anos. Fui aos livros: Nietzsche, Bhagavad Gita, Upanishads, poetas e letras de músicas inspiradoras como as de Pink Floyd, Yes, The Who, entre outras. Os Beatles me fascinavam pela capacidade de comunicação de massa. Nos Estados Unidos, em São Francisco, grupos zen já trabalhavam a permacultura e se tornaram exemplos de uma sociedade alternativa que era muito inspiradora para uma época de muitos conflitos, inclusive conflitos armados durante um governo militar. Eu era jornalista profissional do Jornal da Tarde e estava em contato diário com o noticiário, inclusive o que era censurado. Isso me levou à procura de alternativas sociais, políticas e econômicas, mas, nenhuma delas, para mim, poderia incluir violência, abusos e armas.
O que a senhora procurava na época em que provou LSD e experimentou outras drogas?
Procurava por Deus, procurava pelo sentido da existência. Fui encontrá-lo no silêncio das salas de meditação do Zen Center of Los Angeles, longe de drogas e em contato com a respiração consciente e a postura correta.
Monja Coen lança livro que traz reflexões para ajudar o leitor a se tornar o bem que quer ver no mundo. Crédito: André Spinola e Castro
Quando acontece a transformação na sua vida e quando você decide se tornar monja?
A transformação é um processo incessante da vida. Fiz os votos monásticos em 1983, com 36 anos, em Los Angeles, no Zen Center de Los Angeles. Depois fui ao Japão, onde fiquei por 12 anos e tive a formação completa no Mosteiro Feminino de Nagoya. Voltei ao Brasil e continuo minha jornada de prática, de serviço e de estudos.
Como foi a experiência de viver no mosteiro feminino em Nagoia?
Foi uma experiência intensa e desafiadora. Não falava japonês e nem conhecia hábitos e cultura japonesas. Conhecia Mestre Eihei Dogen, fundador de nossa ordem Soto Zen Shu, no Japão. Um monge, autor, poeta e filósofo fascinante. Surpreendeu-me a vida comunitária e a exigência de tudo ser feito com todas. Foi difícil. Algumas vezes me senti triste, mas a tradução dos textos sagrados, as práticas de zazen, as liturgias, a Cerimônia de Chá, as várias mestras e mestres com quem pude conviver - e deles e delas aprender - superaram todas as dificuldades.
Foram oito anos de vida intensa e preciosa. Gratidão profunda, principalmente à nossa Abadessa Superiora, Monja Shundo Aoyama Roshi, que me ofereceu dois de seus livros para serem traduzidos e impressos no Brasil - o que fizemos: "Para uma pessoa bonita" e "A coisa mais preciosa da vida". Aoyama Roshi, como a chamamos respeitosamente, foi um exemplo de coerência e prática verdadeiras, inspirando centenas de pessoas ao Caminho de Buda. Eu sou apenas uma dessas pessoas.
Iniciei práticas meditativas de forma sistemática quando estive na prisão na Suécia. Foi libertador
Por que estamos cada dia mais ansiosos?
A ansiedade pode ter várias origens. A pandemia fez com que alguns tivessem a impressão de que perderam dois anos. Ninguém nunca perde dois anos ou qualquer período. Estamos presentes, sempre presentes no momento presente. Se soubermos apreciar onde estamos, podemos, inclusive, apreciar momentos de ansiedade por um encontro, por um momento que está por vir. O excesso de ansiedade pode levar à depressão. Por isso precisamos meditar, trabalhar, entender a nossa mente e a usar de forma adequada, regar as sementes que nos levam à harmonia, ao equilíbrio e à tranquilidade, mesmo em meio às turbulências da existência.
Você é prima de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, do Mutantes. E trabalhou iluminando alguns shows de rock. Tem saudades de ir em show de rock?
Minha mãe era prima-irmã de César Dias Baptista, pai de Arnaldo e Sérgio. Ou seja, nossos avós eram irmãos. Na infância, participamos de atividades familiares, como saraus com música e poesia. Sérgio sempre trazia um violão com ele. Arnaldo se encolhia quando eu declamava poesias, como "O Cântigo Negro", de José Regio. Tínhamos quase a mesma idade, ou seja 12 ou 13 anos.
Depois só fui reencontrá-los quando da morte de minha avó. Eu já trabalhava no Jornal da Tarde e eles já eram os Mutantes. Deveríamos ter por volta de 20 anos. Outros anos se passaram e os reencontrei novamente, morando na Cantareira. Algum tempo depois, o grupo se separou e iniciaram uma caminhada solo. Arnaldo sofreu o acidente e pude visitá-lo no hospital e orei muito por ele. Alegra-me vê-lo nas redes sociais, bem como Sérgio, que foi morar nos Estados Unidos. Ambos felizes e bem casados. Tantos anos e poucas memórias. Quando fui morar em Los Angeles, na California, antes de encontrar o Zen Center, ajudei nos palcos dos grandes eventos de rock, em Tampa Flórida. Enrolava cabos elétricos e assistia de perto grandes músicos. entre eles David Bowie.
Aqui no Brasil participei de shows de Rick Wakeman, tecladista do Yes. Sim, aprecio rock'n roll. Músicas, letras, eventos que me causam reflexões filosóficas e existenciais, expansão de consciência e percepção da realidade mais clara e lúcida.
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