Lições do passado
Muitas vezes fragilizado em disputas nacionais, Estado encontrou saídas para ativar a economia e se recuperar após problemas profundos.
"A crise destrói, mas também abre oportunidades”. A fala, do professor do departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ednilson Felipe, traz uma reflexão sobre a forma como o Espírito Santo pode sair da tempestade criada pela pandemia de coronavírus, que abalou boa parte das atividades econômicas. Algo importante a se fazer é olhar para trás e enxergar as saídas que o Estado encontrou para superar outras fases críticas da sua história.
Para isso, a reportagem procurou economistas que revisitaram o passado para avaliar o que o Espírito Santo pode aprender com as crises que já enfrentou. Um desses momentos é a erradicação dos cafezais, que desestabilizou por completo uma economia que era centrada na produção do café.
O episódio remonta à década de 1960, quando o Estado era muito dependente do setor: quase 70% da população economicamente ativa trabalhava na atividade agrícola no Espírito Santo, tendo a produção cafeeira como a principal empregadora.
Após uma queda brusca no preço da saca de café, uma alternativa encontrada pelo governo federal foi exterminar a lavoura para que a capacidade de colheita do setor se adequasse à demanda mundial.
50%
PLANTIO DE CAFÉ DESTRUÍDO NO ES
Como consequência, mais de 50% das plantações foram destruídas no Espírito Santo, o que gerou enorme número de desempregados. Estima-se que o Espírito Santo tenha perdido seis a cada dez ocupações no mercado de trabalho na época, o que também provocou uma “expulsão” de moradores da zona rural para os centros urbanos.
Ednilson Felipe
professor da Ufes
"A erradicação do café tirou do interior a única fonte de renda que tinha. Outras culturas de produção alimentar não produziam a riqueza do café. Isso criou uma crise muito grave no interior e as propriedades passaram a ser inviáveis"
Cerca de 200 mil pessoas deixaram a zona rural e se deslocaram para outros lugares no Espírito Santo ou para outros Estados, iniciando um processo de precarização da urbanização. Muitos desses produtores acabaram vivendo em situações subumanas nos centros urbanos.
O economista aponta que essa crise vinha sendo gestada de dez a 15 anos antes do início do processo de erradicação dos cafezais. Isso porque, segundo o especialista, a economia capixaba estava caracterizada pelo atraso. Outros entes subnacionais avançavam no processo de industrialização, enquanto o Espírito Santo permanecia focado no setor agrícola.
As características da produção do café capixaba na época podem ajudar a explicar esse atraso, segundo o especialista da Ufes. Em outros Estados brasileiros, foi a própria lucratividade do café a responsável pela transição do setor agrícola para o segmento industrial. Os grandes empresários da produção cafeeira fizeram essa mudança ao financiar a instalação de parques fabris.
Acontece que esse café capixaba, na época, não dava um lucro suficiente para competir com outros Estados, como São Paulo e Minas Gerais. O produto não tinha uma qualidade semelhante ao de outras unidades da federação. Outro fator que atrasou esse processo é o fato de o Espírito Santo não ter nessa época um mercado interno robusto.
Processo de industrialização
Após a erradicação dos cafezais, Espírito Santo se abriu para os grandes projetos da indústria.
A erradicação dos cafezais foi implantada pelo Grupo Executivo de Recuperação Econômica, criado pelo governo federal para planejar a produção cafeeira e evitar as supersafras em todo o país.
Apesar dos impactos negativos dessa política da União para o Espírito Santo, ela acabou levando o Estado a acelerar o processo de industrialização, que passou a ser uma estratégia de desenvolvimento.
Ricardo Paixão
Economista
"A grande lição desse período da cafeicultura foi a ação coordenada entre a política e o empresariado, que conseguiram pleitear junto ao governo federal alguns incentivos fiscais importantes para o desenvolvimento econômico do nosso Estado"
A primeira etapa, que vai de 1967 a 1971, é marcada pelo crescimento de pequenas indústrias. Nessa fase, os especialistas destacam o surgimento de plantas como frigoríficos, torrefação de café e do setor de vestuário.
“Nós precisávamos fazer essa transição. Era uma economia agrícola, mas o Brasil todo estava numa economia industrial. Já a gente estava caracterizado por um atraso. A crise cafeeira acelera o processo, mas essa já estava sendo formada porque nosso café era de baixa qualidade e apresentava baixo nível de produtividade. Essa situação forçou um processo que seria necessário de transitar de uma economia agrícola para uma economia industrial”, destaca Ednilson Felipe.
A saída da crise encontrada na época foi a diversificação da economia. A partir de 1971, começam a nascer no Estado os grandes projetos que ainda sustentam parte considerável da economia capixaba, como a ex-Vale do Rio Doce, hoje apenas Vale; a antiga Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), agora ArcelorMittal Tubarão; e a Aracruz Celulose, que virou Fibria e há dois anos passou a ser a Suzano.
“Uma coisa é muito clara: quando o Espírito Santo enfrentou crises, nenhuma resposta se deu retomando o modelo anterior. Nós tivemos que fazer inovações, mudar o núcleo duro da economia. Esse é um ensinamento que ficou para os outros momentos complicados, incluindo o de agora”, ressalta Ednilson.
E essa seria a primeira de muitas crises que o Estado ainda viria a enfrentar nos últimos 60 anos. No final do século XX, uma chacoalhada que o Espírito Santo levou foi a lei Kandir, de 1996, que estabeleceu a isenção do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os produtos e serviços destinados à importação, o que provocou perdas importantes na arrecadação dos Estados. A estimativa, segundo o economista Ricardo Paixão, é que o Espírito Santo tenha perdido R$ 28 bilhões de arrecadação em 20 anos por causa da isenção.
No entanto, a mesma legislação que tirou também deu ao atrair atividades econômicas para o Estado, o que levou à formação de um sólido mercado voltado para o comércio exterior.
Fundap, royalties e lama
O passado recente do Estado também revela obstáculos. Um dos maiores deles foi o fim do Fundap. Depois veio o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, afetando a economia capixaba. Agora a divisão de royalties de petróleo com Estados não produtores volta a preocupar o Espírito Santo
A última década também não foi nada fácil para o Espírito Santo. Uma grande pancada que o Estado teve foi o projeto aprovado no Congresso que reduzia e uniformizava a alíquota de importação do ICMS de operações interestaduais, o que acabou com o Fundap (Fundo de Desenvolvimento de Atividades Portuárias) e causou perdas significativas para o Estado.
O fundo era de muita importância porque se tratava de um incentivo financeiro para as empresas com sede no Espírito Santo que realizam operações de comércio exterior de determinadas mercadorias. A alíquota do ICMS de produtos importados era de 12% no Espírito Santo. Para atrair importadoras, o ES criou o Fundap em 1970 diferindo a alíquota. Dos 12%, oito pontos percentuais eram para financiar as empresas. Dos quatro pontos restantes, três iam para os municípios e um para o Estado.
Para completar a década, uma mudança na legislação dos royalties com capacidade para provocar prejuízos bilionários para o Estado trouxe novamente preocupação com o futuro do Tesouro capixaba.
A Lei dos Royalties, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no ano de 2013, aumentou o repasse de dinheiro para Estados e municípios não produtores de petróleo. Consequentemente, isso representou uma redução na fatia destinada aos locais onde existe produção, como é o caso do Espírito Santo, do Rio de Janeiro e de São Paulo.
A lei foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e continua em discussão na Corte. Essa nova partilha dos royalties pode gerar um prejuízo de até R$ 18,5 bilhões aos cofres do Estado e dos municípios em dez anos.
R$ 18,5 bilhões
PREJUÍZO DA NOVA PARTILHA DOS ROYALTIES AOS COFRES DO ES
Ricardo Paixão destaca que, das crises da Lei Kandir, do fim do Fundap e da Lei dos Royalties, o Estado tirou a lição de buscar aperfeiçoar os gastos públicos.
“Tendo em vista essas perdas, o Espírito Santo se preocupou muito com a questão fiscal e se conscientizou de que era preciso pautar a gestão no equilíbrio fiscal. Com essa preocupação de alguns gestores com as contas, o Estado conseguiu um bom resultado, tanto que o Espírito Santo está bem cotado nas avaliações do Tesouro”, lembra.
Os especialistas ouvidos pela reportagem apontam que o governo precisa continuar em busca da eficiência nos gastos públicos para conseguir sair melhor da crise provocada pela pandemia de coronavírus, de modo que haja redução do inchaço de despesas.
“Você precisa medir o tamanho do Estado, confrontando receitas com despesas, e evitar órgãos caros, ou seja, estruturas públicas em excesso nas três esferas que não dão retorno à população. O Estado não pode falir o setor privado para sobreviver”, destaca Vaner Corrêa Simões Júnior, conselheiro do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo (Corecon-ES).
Para que não haja um grande peso da máquina pública, uma alternativa é o investimento privado em infraestrutura, com a concessão de portos, estradas e aeroportos que pertencem, principalmente, ao governo federal.
Hoje, a ampliação dos portos, a construção da ferrovia EF 118 entre Cariacica e Anchieta e a duplicação das rodovias federais, como a BR 262, são apontadas como as principais soluções para problemas logísticos que são históricos e que atrapalham o desenvolvimento da economia capixaba e a ampliação da matriz econômica.
De todas essas crises, os especialistas citam a capacidade do Estado em desenvolver novos setores como um fator fundamental para solucionar os problemas econômicos. Ednilson Felipe cita a “economia da saúde” e a bioeconomia como áreas promissoras que podem ganhar novos investimentos no Espírito Santo.
Ednilson Felipe
Professor de Economia
"A gente tem setores, como, por exemplo, a biotecnologia, que precisam avançar mais, setores de bioeconomia, que podem aumentar o uso de renováveis, como biocombustíveis. Temos que caminhar para esse lado da tecnologia, para o movimento das startups"
Na história mais recente, duas tragédias também impactaram a economia do Espírito Santo e a vida de empresas e trabalhadores. A primeira foi o rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais, que levou à paralisação das atividades da Samarco em novembro de 2015, deixando o Estado no mesmo ano e no seguinte a sentir um grande efeito em seu Produto Interno Bruto (PIB).
Em janeiro de 2019, quando a Samarco, em Anchieta, não tinha ainda voltado a operar e ensaiva um retorno ao buscar licenças em Minas Gerais, o rompimento da barragem de Brumadinho, desastre que matou mais de 200 pessoas no Estado mineiro, também prejudicou a economia capixaba que estava em ritmo de recuperação com o crescimento da produção das pelotas de minério.
Agora em 2020, mais um baque: a pandemia do novo coronavírus levou à ‘guerra do petróleo’, derrubando o preço da commodity no mercado internacional e também causando queda na produção de óleo e gás no Estado por causa do excesso de barril no mercado internacional.
A turbulência foi sentida com a redução das receitas com royalties e participações especiais. A previsão é que o Estado receba em 2020 R$ 1 bilhão a menos do que se projetava quando o governo enviou o Orçamento de 2020 à Assembleia Legislativa.
Ainda assim, o caixa estadual chegou em agosto de 2020 com uma poupança de R$ 1 bilhão, o resultado mostra o volume de recursos livres que o Tesouro Estadual tem para investir e que não estão comprometidos com outras despesas.
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