Para as famílias, gás mais barato é sinônimo de economia com as despesas do lar. Para as indústrias, o significado vai muito além. O barateamento do insumo reduz custos de produção, destrava investimentos, cria empregos e renda. A redução do custo desse produto será essencial para uma nova era industrial.
Esse movimento de queda no preço abrirá oportunidades de cerca de R$ 50 bilhões nos próximos dez anos ao Estado, segundo estimativas do governo e das organizações empresariais.
Novos gasodutos e novas indústrias, como térmicas, siderúrgicas e mesmo empresas de porcelanas, entram na rota do Estado atraídos pela produção de gás, que deve crescer, e pela molécula, que ficará mais barata com as mudanças nos setores de transporte, tratamento e distribuição dessa fonte de energia menos poluente e mais eficiente.
Nesse sentido, o marco regulatório do setor de gás natural, chamado de Nova Lei do Gás – em andamento em Brasília–, deve ser propulsor de verdadeira revolução no mercado, com abertura de novos negócios.
Entre outros pontos, a nova lei do gás determina que a atividade de transporte do produto, essencial na cadeia produtiva, será exercida sob o regime de autorização em lugar do regime de concessão.
A proposta também cria novas regras tarifárias para o setor, permite o acesso de terceiros aos gasodutos, às unidades de tratamento e processamento de gás natural e aos terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL). Proíbe ainda que donos de gasodutos participem de outras atividades, como importação ou comercialização de gás natural.
Além disso, o texto autoriza a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a adotar um programa de desconcentração do mercado, por meio do qual poderá determinar a realização de leilões ou de cessão de capacidade de transporte para os concorrentes. A estratégia evita a concentração de mercado nas mãos de poucas empresas, como ocorre atualmente.
Luis Claudio Montenegro
Executivo da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes) para a área de defesa de interesses
"Gás é energia e energia está presente em tudo. Não há atividade humana sem energia, e isso inclui a produção industrial. Ocorre que, até então, a Petrobras tinha o monopólio do setor. Tudo que se precisasse tinha que passar pela estatal, fosse produção, transporte, distribuição"
A Petrobras, entretanto, agora passa por um processo de desinvestimento, focando as atividades na produção e exploração de petróleo e gás do pré-sal. Esse fator, aliado à nova legislação, abre espaço para que o preço do insumo se torne muito mais competitivo.
“Hoje, nosso gás é três vezes mais caro que nos EUA, duas vezes mais caro que na Europa, e a única coisa que justifica é o fato de não haver competição. Uma vez que as novas regras passem a valer, tudo deve mudar”, frisa Montenegro.
Com o estímulo da competição, a expectativa é de que haja redução de cerca de 40% no preço do gás, o que viabilizaria investimentos em áreas diversas, especialmente nos segmentos de celulose, fertilizantes, petroquímica, siderurgia, vidro e cerâmica.
A estimativa do setor produtivo é de que a nova legislação atraia investimentos bilionários para o país, com capacidade de criar 4 milhões de empregos em dez anos, sendo cerca de 30 mil só no Espírito Santo.
ES quer sair na frente
Estado muda regras para ganhar corrida por indústrias
Apesar de as atividades ligadas ao transporte e processamento do gás natural terem competência federal, a distribuição do insumo é de responsabilidade dos Estados.
De olho nessa potencialidade, o Espírito Santo se movimenta para fomentar uma indústria mais competitiva, ao criar sua própria lei geral do gás. O projeto de lei do Executivo, que trata do Mercado Livre do Gás no Estado, foi aprovado pela Assembleia Legislativa em meados de setembro e já foi sancionado pelo governador Renato Casagrande.
O texto, que define as regras do novo mercado de gás em território local, trata dos agentes livres, que são os grandes consumidores de gás, que terão vantagens como o poder de importar o combustível, produzi-lo ou comprá-lo direto da empresa produtora.
Uma das figura, o autoimportador, fará aquisição no mercado externo do gás natural liquefeito e terá a liberdade para injetar esse produto na rede da concessionária após o processo de regaseificação, atividade, aliás, que poderá ser instalada no Estado.
O terceiro agente, o autoprodutor, é aquele que vai fabricar o combustível para o próprio uso. Nos dois casos, os interessados precisarão ter autorização da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para realizar a operação.
Um dos mais importantes entre os três será o consumidor livre. Esse passa a não ficar obrigado a receber o gás só da concessionária. Pode adquirir diretamente das petroleiras e utilizar a infraestrutura de distribuição da concessionária para que o combustível chegue até as plantas industriais.
Atualmente, os produtores de gás são obrigados a vender o produto retirado do mar e terra para a Petrobras, que escoa, trata, transporta e tem algumas distribuidoras em seu poder.
No Estado, a quebra dessa corrente começou com a formação da ES Gás, que tem o governo estadual como sócio da BR Distribuidora, ex-subsidiária que saiu do controle da Petrobras após ter suas ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3).
A ideia, no Espírito Santo, é que a ES Gás também saia do controle estatal para ser privatizada nos próximos anos, o que deve abrir ainda mais o mercado.
Por resolução da ANP, só se encaixam na categoria de consumidores livres empresas que usam mais de 30 mil m³/dia de gás. A nova legislação reduz esse limite para 10 mil m³/dia. No Estado, entre as empresas que poderão contar com isso estão a Vale, a ArcelorMittal Tubarão, a Suzano, a Biancogres, a Oxford, entre outros exemplos.
Esses agentes livres também poderão firmar acordo com a concessionária para construir gasodutos. Nesses casos, se uma indústria quer se instalar no Estado, mas a rede de gás não chega até o local onde será a planta, ela poderá propor à distribuidora a construção desse ramal ou pagar para que a obra seja feita.
Durval Vieira de Freitas
Diretor da DVF Consultoria
"É uma lei moderna, que faz com que o Estado saia na frente dos demais, e consiga atrair para si uma série de investimentos. Nesse sentido, as perspectivas para os próximos anos, de modo geral, são muito positivas. A energia, afinal, é um dos principais impulsionadores de desenvolvimento"
O ponto foi reforçado pelo analista do Fórum Capixaba de Petróleo e Gás da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Elimar Lorenzon, segundo o qual, esse primeiro passo coloca o Estado na vanguarda para destravar novos investimentos. “Vale destacar que esse novo mercado vai permitir um processo de reindustrialização do Espírito Santo, tamanha a vantagem competitiva que pode trazer”, destacou.
O especialista explicou que o próprio setor de petróleo e gás deve receber investimentos. Existe, por exemplo, a possibilidade de construção de uma unidade de tratamento de gás natural (UTGN) no Espírito Santo.
Um projeto submetido ao Ibama pela FCF Participações e Investimentos no primeiro semestre deste ano prevê a construção de um empreendimento em Presidente Kennedy, ligado ao Porto Central, com capacidade para produzir 36,2 milhões de m³/d de gás natural.
O plano seria tocar o investimento em paralelo ao desenvolvimento do gasoduto Rota 6, uma das alternativas de escoamento do gás produzido no pré-sal previstas no Plano Indicativo de Processamento e Escoamento (Pipe) da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
“Uma segunda UTGN é mapeada para a Imetame. O investimento individual para cada um desses projetos é superior a R$ 2 bilhões”, frisou Lorenzon.
A redução no preço da molécula do gás poderá viabilizar ainda projetos privados estratégicos que dependem dessa mudança, como a fábrica de HBI (Hot Briquetted Iron) – que é um produto à base de minério de ferro com maior valor agregado – da Vale em Anchieta, no Sul do Estado. Esse negócio apenas já teria capacidade para criar, em média, três mil postos de trabalho.
Além disso, novas plantas siderúrgicas e do setor de cerâmica, termelétricas e projetos em portos podem sair do papel.
“Todas essas empresas que utilizam o insumo como energia e têm um custo muito elevado poderão ser beneficiadas. É um leque muito grande, mas a fábrica de HBI e as termelétricas têm chance de sair do papel mais rapidamente”, observou o secretário de Estado de Desenvolvimento, Marcos Kneip Navarro.
Além de o Espírito Santo ter saído na frente com a nova legislação para essa fonte de energia, o secretário destacou que há um ambiente propício para a atração de novos negócios em terras capixabas, com incentivos fiscais e contas ajustadas.
5º lugar
RANKING DE COMPETITIVIDADE
“A gente consegue passar para o empresariado a sensação de que vai ter condições para investir, e isso é muito importante para o nosso desenvolvimento. Hoje, somos o 5º Estado no ranking de competitividade, mas podemos crescer.”
Navarro destaca entre as vantagens o fato de o Estado ser onde se abre uma empresa mais rapidamente no Sudeste, por exemplo. Além disso, tem baixíssimo índice de roubo de cargas – cerca de 11 casos, em 2019 –, o que é importante para quem lidam com a logística.
Apesar desses facilitadores, ele observa que, para que o crescimento tenha ritmo mais constante, é preciso destravar, também, investimentos na área de infraestrutura.
Nesse sentido, há uma expectativa pela concessão da BR 262, no Espírito Santo, e da BR 381, em Minas Gerais, pela construção da EF 118 (Vitória-Rio) – com ramal previsto para ser feito pela Vale entre Cariacica e Anchieta a partir de 2022 –, e também investimentos em portos.
“Tendo uma melhor ligação ferroviária com outros Estados, por exemplo, você pode criar uma linha para transportar o gás. E tendo portos mais ativos, como o da Imetame, o do Porto Central, e também o da Petrocity, você destrava investimentos como termelétricas, entre outros. É um conjunto de fatores, e o Espírito Santo está em uma situação vantajosa para o desenvolvimento desses projetos.”
Entenda
O que é o novo mercado de gás?
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01
Regras para produção, escoamento, transporte e distribuição
O novo marco regulatório do gás, criado pelo Projeto de Lei (PL) 6.407/2013, busca proporcionar a oferta de gás natural a menores preços para indústria, comércio e consumidores em geral, estimular o aproveitamento racional do petróleo e do gás natural no Brasil e garantir segurança jurídica para os investidores do setor.
Legislação
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02
Como as regras vão ajudar?
Vão ajudar a melhorar o aproveitamento do gás do pré-sal; a ampliar investimentos em infraestrutura de escoamento, processamento, transporte e distribuição de gás natural; a aumentar a geração termelétrica a gás; a promover a competitividade da indústria, em segmentos que utilizam o insumo para a produção, como: celulose, fertilizantes, petroquímica, siderurgia, vidro, cerâmica, etc
Produtividade
TRATAMENTO DE GÁS
Outro fator deve contribuir já de imediato para aumentar a capacidade de o Estado processar o gás natural. A Petrobras deve realizar investimentos nas Unidades de Tratamento (UTGs) de Cacimbas, em Linhares, e Sul Capixaba, em Anchieta.
A ideia é que essas plantas, que estão hoje operando próximo da metade da capacidade, possam atender a outras empresas, não apenas a própria petroleira, abrindo espaço para que gigantes do petróleo, como Shell e Equinor, que têm operações no Litoral do Estado, possam tratar o gás nessas estruturas.
A medida também abrirá espaço para outras empresas que recentemente compraram ativos da Petrobras na Bacia do Espírito Santo, tanto no mar quanto em terra, como é o caso da Imetame, possam ter um local para processar o combustível e purificá-lo.
Projetos para o ES
Vejas as propostas que podem ser destravadas
Além do uso do gás natural para a geração de calor e eletricidade, o insumo pode ser utilizado como redutor siderúrgico na fabricação de aço, para a produção de fertilizante nitrogenados ou em processos industriais que exigem a queima em contato direto com o produto final (cerâmica, vidro e cimento).
PETRÓLEO E GÁS
- Unidades de processamento de gás natural (UPGNs);
- Investimento médio: US$ 2 bilhões;
- Empregos: tem potencial para criar 500 vagas em obras e 50 na operação;
- Exemplo de empresas: Petrobras, Shell, Equinor, entre outras.
MINERAÇÃO
- Fábrica de HBI e outra planta de mineração;
- Investimento médio: US$ 2 bilhões;
- Empregos: tem potencial para criar 6 mil vagas em obras e mil na operação;
- Exemplo de empresas: Vale.
SIDERURGIA
- Planta para produção de aço;
- Investimento médio: US$ 1,5 bilhão;
- Empregos: tem potencial para criar 12 mil vagas em obras e 3 mil na operação;
- Exemplo de empresas: Ternium, Gerdau, ArcelorMittal.
VIDRO
- Fábrica de vidro;
- Investimento médio: US$ 400 milhões;
- Empregos: tem potencial para criar 300 vagas em obras e 120 na operação.
PETROQUÍMICA
- Petroquímica
- Planta para produção de eteno e derivados;
- Investimento médio: US$ 1,5 bilhão;
- Empregos: tem potencial para criar 8 mil vagas em obras e 2 mil na operação.
FERTILIZANTES
- Planta para produção de nitrogenados;
- Investimento médio: US$ 1,5 bilhão;
- Empregos: tem potencial para criar 3 mil vagas em obras e 500 na operação.
TÉRMICA
- Geração de energia;
- Investimento médio: US$ 1,6 bilhão;
- Empregos: tem potencial para criar 600 vagas em obras e 200 na operação;
- Exemplo de empresas: EDP, AES, Imetame.
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