O ano de 2020 tinha tudo para ser totalmente perdido, mas pode ser marcado pela recuperação surpreendente de um dos segmentos mais importantes da economia capixaba e brasileira. O setor de aço - que no ápice da crise provocada pela pandemia de coronavírus chegou a operar com apenas 45% de sua capacidade instalada no Brasil - voltou a funcionar com os mesmos níveis do período pré-pandemia, 63%.
Os dados da recuperação do segmento no país e também no Espírito Santo são do Instituto Aço Brasil, entidade representativa das empresas siderúrgicas nacionais. As medidas tomadas pelo governo federal para aquecer a economia, como o programa de manutenção do emprego e renda e o auxílio emergencial, além de uma mudança no comportamento de consumo da população impulsionaram essa recuperação em “V”, segundo análise de representantes do setor.
A produção do aço, que chegou a ter uma previsão de queda de 18,8% para 2020 no Brasil, agora apresenta um cenário bem menos sombrio e deve ter uma retração de 6,4% em 2020. A contração é porque, embora o setor tenha se recuperado, o crescimento nos últimos meses não foi capaz de suprir os efeitos da crise no início do ano.
-6,4%
PROJEÇÃO DE RETRAÇÃO NA PRODUÇÃO DE AÇO
No Espírito Santo, a produção física da indústria de metalurgia, segundo dados do Instituto de Desenvolvimento Industrial do Espírito Santo (Ideies), cresceu 30% entre os meses de julho e agosto. O número destoa até do aumento nacional, que foi de 3,2% no mesmo período.
“A metalurgia é um setor muito importante para o Espírito Santo, que pesa na geração de riquezas para a sociedade capixaba. A retomada da economia mundial começa a recuperar a demanda e isso já se reflete nessa produção física do setor no Estado”, destacou o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo (Findes) e diretor-executivo do Ideies, Marcelo Saintive.
Os números das vendas internas do setor do aço também são indicativos importantes para descrever essa ascensão no país: em abril de 2020, o setor estimava uma queda acentuada de quase 18% nas vendas internas em 2020; em julho, quando os meses mais críticos da pandemia já tinham passado, esse indicador era um pouco melhor, mas ainda apontava uma redução de dois dígitos, de 12,1%; já em setembro, essa queda estimada para 2020 ficou bem menor, em 3,1% devido à volta das atividades aos níveis pré-crise, que amortizaram o mau desempenho deste ano.
-4,7%
PROJEÇÃO DE QUEDA NA EXPORTAÇÃO DE AÇO EM 2020
O cenário pessimista também está se revertendo em relação às exportações. Em abril, o setor previa uma queda de quase 20% em 2020, já no segundo semestre, a estimativa passou a ser de redução de 10,7%. Em relação ao consumo aparente do segmento, que soma as vendas internas e a importação por distribuidores e consumidores, a diferença entre abril e setembro também foi significativa: no início da pandemia, a queda prevista para todo o ano era de 19,8% e em setembro passou a ser de 4,7%.
Tal otimismo também pode ser observado no Espírito Santo: a ArcelorMittal Tubarão decidiu religar dois alto-fornos que estavam sem operação, um que foi desligado antes mesmo da pandemia, em 2019, e o outro que deixou de operar em abril de 2020.
A indústria, que fica entre Serra e Vitória no Complexo de Tubarão, atua na produção de aços planos laminados. Segundo a empresa, em comunicado enviado ao mercado em setembro, o religamento é uma decisão estratégica diante da aparente tendência de recuperação pela qual o setor vem passando.
De acordo com o vice-presidente Comercial da empresa, Eduardo Fares Zanotti, durante participação no Indústria Summit, evento on-line realizado em outubro em substituição à MecShow, colocar as estruturas novamente para trabalhar se pautaram nas boas perspectivas de mercado de aço chinês para este ano, o maior do planeta. A decisão de religar o alto-forno 2 foi tomada em julho pela companhia.
1,2 milhão de toneladas
CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DE FERRO GUSA NO ALTO-FORNO 2
O equipamento, com capacidade de produzir 1,2 milhão de ferro gusa por ano, deixou de funcionar no ano passado para passar por uma ampla reforma e manutenção. Acabou não voltando antes por causa do cenário de instabilidade econômica causado pelo novo coronavírus.
O terceiro alto-forno desativado no quarto mês deste ano devido à queda mundial da demanda por aço foi religado no final de outubro por conta da rápida retomada do segmento no mercado nacional. O equipamento tem capacidade nominal de 2,8 toneladas por ano.
“Embora ainda seja cedo para avaliar os próximos cenários, incluindo se haverá retomada e se ela será sustentável, a empresa quer estar preparada para uma maior e mais rápida flexibilização operacional, caso o mercado continue respondendo positivamente”, disse a ArcelorMittal em setembro, garantindo que a retomada das atividades segue as orientações e protocolos recomendados pelas autoridades da área de saúde para evitar a disseminação da Covid-19 entre seus empregados e terceiros.
Apesar de a companhia não confirmar a tendência de restauração das vendas, os especialistas acreditam em bons números para esse ramo. Existe uma grande busca por insumos pela indústria geral que começa a sofrer com o desabastecimento de aço e outras matérias-primas essenciais para a fabricação de peças. Um desses setores à espera de itens é o da construção civil.
Setor já sofria
Produção de aço tem tido revés há anos
A crise do aço, que levou ao desligamento dos alto-fornos, foi aprofundada pela pandemia, mas não se iniciou em 2020. Desde 2013, a siderurgia brasileira vem enfrentando revés significativo no mercado interno.
“Nesse período, tivemos quedas de 23% nas vendas internas e 25% no consumo aparente. A característica do setor do aço é a resiliência. Além da crise econômica, em 2018 tivemos a greve dos caminhoneiros, que impactou muito na parte de abastecimento de matéria-prima e escoamento. Em 2019, iniciamos o ano com a tragédia de Brumadinho, que afetou o setor no abastecimento de minérios de ferro”, lembra Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil.
Em 2020, a expectativa, segundo Marco Polo, era de que fosse um ano de recuperação, mas toda a operação do setor também foi afetada pela pandemia: “Começamos o ano de 2020 com uma utilização da capacidade instalada de 63%, o que é baixo. Normalmente você teria que estar operando acima dos 80% para trazer resultados melhores. Com o isolamento social, você teve uma gravíssima crise de demanda. Fechou a ponta, onde de fato desenrola a economia”, explica o representante do instituto.
Três setores são responsáveis por mais de 82% do consumo do aço no Brasil: a construção civil, o automotivo e o de máquinas e equipamentos. Desses três, dois foram profundamente impactados no início da pandemia, o que prejudicou o desempenho do aço no Brasil. No setor automotivo, segundo o Aço Brasil, houve o fechamento de 65 plantas e 5,2 mil concessionárias.
Já na área de máquinas e equipamentos, 47% das empresas tiveram que encerrar suas atividades. Dessa forma, a siderurgia brasileira, que já tinha sete alto-fornos desligados antes mesmo da pandemia, paralisou mais oito no primeiro semestre com o choque de demanda.
Com um cenário tão complicado, o que fez com que o setor começasse a se recuperar com velocidade acima do es - perado a partir de junho, inclusive com o religamento de seis alto-fornos no Brasil? O presidente-executivo do Instituto Aço Brasil cita as medidas econômicas implantadas pelo governo federal como responsáveis pelo estímulo.
“O governo facilitou créditos para as empresas que precisavam de oxigênio, implantou medidas provisórias de manutenção de emprego e também o auxílio emergencial. Essas medidas fizeram com que houvesse de maneira surpreendente a recuperação em V maiúsculo”, pontua Marco Polo.
Já o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico do Espírito Santo (Sindifer), Luís Soares Cordeiro, destaca também uma mudança no comportamento do consumo do brasileiro, justamente por causa da pandemia, que levou ao momento de recuperação do setor. Segundo o empresário do setor, houve uma mudança no comportamento do consumo das famílias, o que ajudou a aquecer a construção civil.
“A ajuda emergencial do governo ajudou bastante, mas a gente entende que o principal fator dessa recuperação foi a sublocação ou realocação do orça - mento doméstico. As rubricas de lazer e turismo foram deslocadas para aplicação do conforto do lar: reforma da casa, consumindo os aços longos, ou a troca dos bens de capital, como geladeira, fogão, fabricados com aço”, explica.
ANO MELHOR
A esperança, de acordo com o Sindifer, é de que 2021 seja de novos investimentos e geração de empregos para o setor no Espírito Santo, sem, no entanto, apresentar uma estimativa para o próxi - mo ciclo. Para que isso ocorra, os representantes do setor citam a necessidade das reformas administrativa e tributária, além das privatizações.
“O empresário está com o nível de confiança alto. Se a gente conseguir emplacar a reforma administrativa e a tributária, isso pode melhorar o ambiente de negócios. Se houver um descontrole dos gastos públicos, uma quebra do teto de gastos, pode colocar tudo isso a perder”, avalia o presidente do Sindifer.
No Espírito Santo, apesar da retração inicial na demanda, o ano de 2020 foi de saldo positivo na geração de emprego. No acumulado de janeiro a setembro, houve 771 contratações e 466 demissões no setor da metalurgia, com saldo de 305 empregos.
305
EMPREGOS GERADOS NA METALURGIA EM 2020
E essa retomada é muito relevante para a economia brasileira, no geral, já que a siderurgia é um gerador de renda e de empregos no país. De acordo com o Instituto Aço Brasil, um estudo da Fundação Getúlio Vargas mostrou que, para cada vaga de emprego na siderurgia, são gerados 12,8 empregos na economia.
“Em 1980, o Brasil tinha um consumo per capita de aço por habitante de 100 quilos. A China tinha, nesse mesmo ano, 34 kg por habitante. Em 2019, a China fechou acima dos 560 kg por habitante e nós estamos abaixo dos 100 kg. Tem uma relação indissociável que é consumo de aço e desenvolvimento econômico”, finaliza Marco Polo.
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