A pandemia agravou o mal da desigualdade escolar. Em um mundo cada vez mais virtual, é real, agudo e crescente o fosso entre ricos e pobres também na arena digital. Questão de acesso: ao ensino de qualidade e a uma conexão ao menos razoável em tempos de videoaulas, envio de conteúdos por e-mail, downloads, áudios e plataformas sociais.
Nessa rede acelerada que se impõe multimídia, como um jovem periférico limitado a um modesto smartphone 3G/4G pode se munir de instrução plenamente eficiente? Igualmente perturbadoras são as barreiras que se levantam contra os meninos e as meninas para a continuidade dos estudos em casa, na medida em que muitos deles se veem obrigados a se revezar entre a leitura de livros e apostilas e os cuidados com os irmãos mais novos.
Pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) mostra que o problema está on. O celular é a ferramenta mais usada (talvez a única) para os estudos de jovens acima de 16 anos pertencentes a estratos de baixa renda. Aparelhos eletrônicos mais robustos ficam para quem tem mais recursos. Entre os estudantes, 54% dos pertencentes às classes D e E usam celulares e apenas 10%, notebooks. No segmento A e B, o percentual dos que podem ligar seus laptops sobe para 45%, enquanto aqueles que utilizam smartphone cai para 22%.
O próprio Cetic sinaliza as discrepâncias trazidas no rendimento escolar. Os que têm computador em casa, que contam com tablet e uma diversidade maior de dispositivos, usufruem de mais oportunidades de realização das tarefas. Consequentemente, o desempenho tende a ser melhor.
O mais preocupante é o legado crônico passado de geração a geração. O fosso que separa os conectados e os desconectados (ou precariamente conectados) nesta pandemia é herança também da desigualdade. Números do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) indicam que apenas 29,6% dos filhos de pais sem qualquer instrução têm acesso à banda larga. Nos lares onde os pais possuem curso superior, esse percentual aumenta para 89,4%. Mais: 55% dos filhos de pais sem instrução não têm acesso à internet; o número cai para 4,9% quando os pais concluíram a universidade.
Percebe a disparidade? O nivelamento tem de ser por alto, extraindo exemplos de modelos de educação bem-sucedidos para serem replicados em outros, deficitários, resguardando-se as peculiaridades locais. É extremamente preocupante uma realidade que requer conexão praticamente full-time quando não se tem nem ao menos o básico em casa, vide o crescimento da fome e da insegurança alimentar com o risco da Covid-19. As restrições à ascensão social das camadas mais pobres da população só se fortalecem.
Uma boa conexão com a internet é, hoje, determinante para que alunos e alunas se preparem para disputar vaga em curso superior. Aulas on-line são um caminho sem volta, mesmo quando tudo “se normalizar”. Mas a discrepância se mantém indecente. Reforço: questão de acesso. Na vida de milhões de crianças e adolescentes, é limitado ou não?
O código para mudar esse quadro passa por ensino democrático e qualificado: a igualdade precisa estar conectada à inclusão, com projetos que deem condições para a continuidade do estudo do jovem pobre.
Trata-se de um problema estrutural, que demanda investimentos assertivos na educação pública, com a digitalização encorpada chegando a escolas, laboratórios e bibliotecas e a introdução do CAQ (Custo Aluno-Qualidade) visando a reduzir as desigualdades no sistema de ensino público. Além disso, o Fundeb necessita se manter voltado para a escola pública, sem tentativas de drenar recursos para outras instituições, pagas.
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