Assistindo à abertura da Copa América no último dia 20, me bateu uma grande surpresa ao ver dois homens em campo para fazer uma breve oração, um em espanhol, o outro em inglês. E ficou claro que eles estavam ali só para aquilo (não eram dirigentes que se empolgaram no discurso), o que em si é um problema.
A figura principal ali era o pastor Emilio Agüero Esgaib, ex-lutador paraguaio de kickboxing que hoje comanda a igreja “Más que Vencedores” no país (o outro era o irmão Adolfo), igreja essa que é frequentada pelo também paraguaio Alejandro Domínguez, presidente da Conmebol.
Se a notícia parasse por aí, já seria bem problemática: o presidente da Conmebol usando a influência do seu cargo para dar palco mundial a alguém do seu relacionamento pessoal (e ainda vamos falar do cunho religioso ser um agravante). Mas a questão também envolve a ligação dos irmãos Agüero e Domínguez com o ex-presidente paraguaio Horacio Cartes.
Ou seja, pessoas influentes do Paraguai que comandam grandes instituições futebolísticas, religiosas e políticas andam trocando figurinhas e usaram a Copa América de plataforma.
O espinhoso tema "Religião"
Voltando ao tema religião, por que esse seria um problema? Muitos até apontariam que a mensagem do pastor, de maneira bem geral mandando um “Deus abençoe os países da América”, seria inofensiva.
Pois é, se essa última frase tivesse vindo no meio do discurso de algum dirigente (talvez do próprio Domínguez), fosse de fato inofensiva. Mas, como os pastores estavam ali só para isso, houve um declarado ato religioso, o que está em claro conflito com os regulamentos da Fifa.
O próximo passo é ir além e entender por que essa regra existe. E, embora seja difícil admitir que a Fifa está certa, há um bom motivo para isso: quem vai julgar o que é uma mensagem religiosa inofensiva ou não? Certamente, não acho que o presidente da Conmebol esteja apto para isso.
É algo que reflete a regra de dar cartão amarelo a quem tira a camisa na comemoração de um gol. Entre as justificativas dela, está evitar a exibição de mensagens por parte dos jogadores. Isso parece antipático para casos em que eles homenageiam filhos.
Mas e se a mensagem fosse política? E se fosse polêmica? É muito mais pragmático estabelecer “ninguém tira a camisa” do que pedir que o árbitro leia a mensagem e faça um juízo de valor (sendo que a mensagem poderia ser de um tema que ele sequer é capacitado para opinar).
E aí entra outra questão: se colocar na posição de outra pessoa. Será que uma mensagem evangélica na Copa América é de fato inofensivo para praticantes de religiões de matrizes africanas que tiveram seus templos quebrados? Ou mesmo pessoas de outras denominações, ainda que não tenham passado por eventos traumáticos como esses.
Para ajudar a se colocar do outro lado, sugiro o seguinte exercício: fosse Alejandro Domínguez iniciado no candomblé como filho de Exu, e levasse o babalorixá do terreiro que ele frequenta para mandar uma mensagem, ainda que fosse uma simples benção, qual repercussão você acha que o evento teria? Ou se ele fosse mulçumano e levasse o imã de sua mesquita?
Manter a religião fora de eventos oficiais não é ser contra ela; é apenas uma forma pragmática e de fácil controle de tentar respeitar a todas as religiosidades (inclusive o direito à não religiosidade).
Claro que a noção de que futebol e política – ou, no caso, religião – não se misturam é uma falácia. Futebol faz parte da sociedade e é impossível separá-lo de outros temas sociais (inclusive, todo esse episódio é um ótimo paralelo para explicar os benefícios do Estado ser laico).
Mas também seria indesejável um “libera geral” e transformar eventos em palanques para partidos, cultos ou seus líderes específicos, então é preciso operar nessa área cinzenta de se estabelecer certos limites (se ainda tivesse sido promovido uma benção ecumênica, quem sabe).
Proibir manifestações oficiais pode parecer duro, por vezes antipático, mas é a solução mais funcional que existe até hoje. E que foi quebrada simplesmente pelo presidente de uma das seis confederações continentais.
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