No primeiro dia de dezembro de 2020, o esporte capixaba perdeu uma de suas personalidades mais marcantes. Faleceu o professor Hélio Demoner, vítima da Covid-19, doença provocada pelo vírus que tornou 2020 um dos anos mais estranho e tristes da história mundial. Demoner, como era mais conhecido entre os praticantes do basquete, tinha 78 anos, tempo de vida dedicado quase em sua totalidade à prática e ao ensino do basquete, certamente uma das coisas que mais amou em sua vida.
Ele foi um dos pioneiros do esporte no Espírito Santo. Dono de uma personalidade carismática e inconfundível, era reconhecido pela qualidade e perfeição de seu arremesso. Incrível arremessador de 3 pontos e de lances livres, foi sempre imbatível nas nossas disputas nestas duas habilidades, para as quais nos desafiava sempre que tinha uma oportunidade.
No entanto, o que mais marcou a sua grandeza e generosidade foi a sua ação como professor de todos nós. Ele tinha prazer em ensinar, qualquer um, atleta formado, de qualidade, ou quem nunca havia pego em uma bola de basquete, sem a menor aptidão para o esporte. Sempre com extrema paciência.
Ainda me recordo de chegar ao Saldanha da Gama para treinar, nos meus 13 anos de idade, e ele se oferecer para me ensinar a arremessar. Lembro também do dia em que eu, já com mais de 40 anos, levei meu filho de 8 anos a um treino na categoria master e Demoner, ao final do treino, perguntou se o menino queria aprender a arremessar. Pegou uma cadeira, posicionou-a de frente a uma parede, sentou-se e começou a mostrar como treinar a movimentação do braço no arremesso, lançando a bola para a parede sucessivamente e dizendo que meu filho poderia treinar assim em qualquer lugar, até no quarto dele.
Outra lembrança minha, já com mais de 50 anos, foi de ter lhe reclamado da irregularidade de meu arremesso. Foi o bastante para ele pegar a bola e começar a me mostrar mais uma vez a técnica perfeita do arremesso. Essas histórias não são privilégio, nem exclusividade minha. Converse com qualquer um que jogou basquete e conviveu com Demoner que ouvirá muito mais disso.
Em meados deste ano, Demoner foi indicado à Calçada da Fama do Esporte Capixaba. Montou um grupo enorme no Whatsapp formado por amigos atletas e ex-atletas de basquete para auxiliá-lo na votação. Foi uma grande festa. Reencontramos virtualmente gente que não víamos há muitos anos e até gente de quem não mais nos lembrávamos. Quantas lembranças compartilhadas, tantas histórias engraçadas, registros de fotos e muitas, muitas, muitas homenagens e reconhecimento para Demoner.
Era um momento no qual havia um refreio dos efeitos da pandemia, com queda nos índices de contaminação aqui, na Europa e nos Estados Unidos. O vírus é enganador!!! Estrategista, finge que sumiu para se espalhar e voltar a nos atacar mais forte. Ao constatar a doença, Demoner tentou se internar no hospital referência do seu plano de saúde, mas não havia vagas na UTI. Foi alocado em um outro hospital conveniado. Após alguns dias, apresentou melhora no seu quadro e foi para aposento com leito normal. Mais uns dias e piorou novamente. Infelizmente já não havia vaga na UTI do hospital em que estava. Teve que ser removido para um terceiro hospital conveniado menor e mais distante. Lá passou os últimos dias de sua vida. Sozinho, sem poder ter a companhia de nenhum daqueles que amava e que o amavam.
Fico me perguntando qual a nossa responsabilidade pela passagem do Demoner… Entendo as dificuldades financeiras e emocionais a que nos sujeitamos quando necessitamos nos restringir… Entendo que as pessoas precisam trabalhar e também precisam se exercitar e socializar. Mas não entendo deliberadamente nos recusarmos a tomar as medidas mínimas de precaução, que são o uso de máscara, higienizar frequentemente as mãos e evitar o contato físico, aglomerações e a proximidade social.
Claro que queremos fazer o que sempre fizemos, nos divertir e estar próximos fisicamente daqueles que gostamos… Mas será que fazer isso neste período compensa as possíveis perdas que teremos? Será que se tivéssemos cumprido essas regras simples as UTIs estariam tão cheias? Será que se tivéssemos agido de maneira diferente, tantas pessoas mais vulneráveis teriam se exposto tanto? Descartando-se a possibilidade de reinfecção, mesmo aqueles que já tiveram Covid-19 deveriam cumprir as regras. Não por si, mas para não transmitir aos menos informados a ideia que não precisam segui-las.
É preciso ter calma e paciência, vai passar, já está passando… Hoje já se sabe lidar melhor com a doença do que se sabia no início da pandemia. Mas ainda não é o suficiente. No próximo ano, haverá vacinação… As coisas vão melhorar. Muito. Portanto, cuide-se, dê exemplo, para que não tenhamos tantas perdas irreparáveis como a de Demoner frente a esse inimigo invisível que ainda nos aflige.
O autor é professor do Departamento de Informática e Coordenador do Curso de Ciência da Computação da Ufes e vice-presidente da Associação de Veteranos e Amigos do Basquete do Espírito Santo (Avabes)
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