Chuvas, enchentes e inundações são fenômenos naturais. Tragédias humanas deles resultantes são fenômenos socioeconômicos. A integração entre esses fenômenos e seu equacionamento são questões políticas.
O desconhecimento das dinâmicas pluviais e fluviais na povoação do Brasil foi o primeiro elemento do problema. Fazendas e vilas, que depois se tornaram cidades, limitaram margens de rios como se fossem fronteiras fixas para definir loteamentos.
Mas as causas principais das tragédias que hoje presenciamos são de ordem socioeconômica e ecológica.
A vulnerabilidade das habitações e os locais inadequados de moradia são resultados da divisão desigual da riqueza e da segregação social. As classes exploradas não têm renda para construir casas mais sólidas e são obrigadas a morar onde a terra é ruim demais para valer como mercadoria – geralmente áreas de grande risco e não regularizadas, como margens de rios, morros e encostas. Por isso, são sempre as maiores vítimas das tragédias.
A massa enorme de negros dispensados do regime de escravidão, expulsa de terra em terra, sem propriedade e trabalho decente, encontrou refúgio apenas nesses locais. A eles se somaram e misturaram os trabalhadores pobres, subempregados ou desempregados. O resultado é que as tragédias humanas no Brasil também têm cor.
Não bastasse essa injustiça, estamos dentro de uma catástrofe climática anunciada desde os anos 90. O regime de chuvas mudou e a ocorrência de precipitações perigosas é, agora, elemento previsível. Não há mais desculpa de “chuva inesperada”.
O desmatamento da mata ciliar e o assoreamento causados pela atividade humana desregulada tornaram os rios ainda mais sujeitos a enchentes e transbordamentos. A falta de cuidados e de planejamento urbano não previu o escoamento e drenagem dessas águas.
Tudo isso é fruto da irresponsabilidade humana e do capitalismo, um sistema que sobrepõe à produção de riqueza à vida humana e da Terra. Mas, enquanto o sistema não muda, o que fazer?
Os poderes públicos precisam colocar a questão habitacional e a reformulação da utilização dos espaços urbanos como prioridade de Estado. As Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas têm nisso importância crucial, pois podem transformar políticas de governo em políticas de Estado, por meio de legislação apropriada. Vereadores e deputados estaduais precisam compreender melhor o seu papel na gestão dos problemas das cidades.
Prefeitos e governadores precisam assumir postura de estadistas, pois os investimentos demandados pelas obras de macrodrenagem, saneamento, reflorestamento, contenção de encostas, recuperação de rios etc. são do tipo que não podem ser “inaugurados” em anos eleitorais. São semeaduras de colheita futura.
Por outro lado, a população deve entender a importância dessas intervenções e a necessidade dos gastos e incômodos que elas exigem. Na maioria das vezes, a entrega de resultados não vem em apenas uma gestão.
O risco de não compreendermos isso é julgar mal um governo que investe em infraestrutura de longo prazo, sem entregar obras “inauguráveis” com festas e shows, e exaltarmos administradores “obristas”, que não pensam estruturalmente e que, depois da tragedia ocorrida, vão à imprensa lamentar os mortos e desabrigados, culpando “a natureza” e o volume de chuvas “além do esperado”.
Pior ainda é achar que o papel dos políticos é defender pauta de costumes e fazer postagens em redes sociais. Mas isso é outra tragédia que deveria ser analisada à parte.
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