O Projeto de Lei 3012/2023, apresentado à Câmara dos Deputados no mês de junho, visa regulamentar o abandono afetivo, sendo mais uma forma de tentar compensar a imprudência de pais que se desincumbem do poder familiar de forma egoística e irresponsável.
Muitos não sabem, mas o referido termo pode ser entendido como a violação ao dever de cuidado, que é originalmente imputado aos pais de uma criança. Essa violação perpassa pelo desamparo psicológico e emocional de um genitor para com seu filho, sendo entendido como um abandono moral, que gera consequências graves à formação de personalidade dos que o sofrem e danos psicofísicos que perduram para o resto da vida.
Muito embora o projeto só tenha sido apresentado recentemente, decisões que condenam a prática de abandono afetivo já são proferidas há anos por nossos tribunais, inclusive com base em precedente criado pelo STJ. O que vem sendo levado em consideração são aspectos subjetivos e casuísticos, cuja materialização é bastante difícil.
Em regra, analisa-se a ausência do genitor na vida do filho em datas comemorativas, nos períodos de convivência (a chamada “visitação”) determinados judicialmente, nas atividades e eventos escolares, mas também nos momentos de turbulência e em situações em que o amparo parental é necessário para que aquele indivíduo enfrente as dificuldades cotidianas, atentando-se para que o genitor que detém a guarda não é o único responsável por direcionar amor e afeto ao filho.
A proposta legislativa gira justamente nesse prisma, objetivando efetivar as relações interpessoais interrompidas por um dos genitores e reafirmar seu dever de presença e constância na vida do filho, sob pena de punições até mesmo pecuniárias, vez que prevê o acréscimo de artigo que caracteriza o abandono afetivo como ato ilícito, sujeito à responsabilização civil.
Assim, se comprovado, sua prática ensejaria indenização por danos morais, tendo em vista que o filho sofre abalo psicofísico irreparável e danos em sua esfera pessoal e emocional passíveis de indenização, especialmente por perder parte de sua referência e a base necessária para seu desenvolvimento saudável enquanto indivíduo.
Também existe a previsão de importante papel a ser exercido pelo Conselho Tutelar, consubstanciado no auxílio às mães que pretendem ver seus filhos psicologicamente amparados, além de autorizar o referido órgão a adotar providências previstas na lei em face do pai ausente, evitando-se que o problema se concentre unicamente na seara judicial.
É lastimoso que o Estado precise intervir tão profundamente nas dinâmicas familiares para que algo tão basilar seja efetivado, porém, não se vê alternativa diante das perspectivas atuais, cada vez mais preocupantes.
Projetos de lei como esse são importantes mecanismos de conscientização social, porque além regulamentarem situação social urgente, também criam um espaço de debate, colocando o tema em voga e deixando cada vez mais evidente que a participação na criação de um filho é imprescindível e obrigatória para todas as partes da relação. Afinal, amar pode ser uma faculdade, mas cuidar é uma obrigação.
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