Nos últimos dias, a volta do Talibã ao poder no Afeganistão, 20 anos após a invasão estadunidense ao país, tem sido um dos assuntos mais discutidos na imprensa, nas redes sociais e em conversações cotidianas. No entanto, a maioria dos posicionamentos apresentados sobre essa complexa questão está baseada em análises superficiais, que apresentam os antagonismos entre EUA e Talibã a partir de uma lógica maniqueísta, como se fosse um conflito do “bem” contra o “mal”.
Nesse sentido, o governo de Washington construiu a narrativa de que sua presença no Afeganistão, iniciada após os ataques de 11 de setembro de 2001, visava combater células terroristas apoiadas pelo Talibã e libertar a população do domínio desse grupo fundamentalista, conhecido pela extrema violência contra as mulheres.
No entanto, os reais interesses geopolíticos dos EUA em dominar o território afegão (estrategicamente localizado próximo à China e à Rússia) e as atrocidades cometidas pelas tropas estadunidenses contra o povo afegão (estupros, assassinatos, tortura, violência sexual, etc.) foram estrategicamente ocultados.
Se o Afeganistão já era um dos piores países do mundo para se viver sob o domínio talibã, não há motivos para dizer que tenha sido diferente sob um governo fantoche da Casa Branca. É fato que os EUA são uma potência inerentemente expansionista, independentemente de quem esteja no poder: democratas ou republicanos.
Nesse sentido, os discursos dos setores conservadores, creditando o fracasso da empreitada ianque no Afeganistão ao “esquerdista” Joe Biden, que retirou as tropas estadunidenses do país asiático, demonstra completo analfabetismo geopolítico. Não levam em conta toda a historicidade das relações Washington/Afeganistão.
O Talibã teve origem em grupos que foram armados, justamente, pelos EUA, com objetivo de combater a influência soviética no Afeganistão, quatro décadas atrás. Não obstante, foram os republicanos (e não os “esquerdistas” democratas) quem iniciaram a invasão ao território afegão (com Bush) e também assinaram o acordo de retirada das tropas estadunidenses do país (com Trump).
Por outro lado, tão controverso quanto conceber a situação afegã como um épico “bem” versus “mal” é considerar que o Talibã representa a legítima resistência do povo afegão ao invasor ocidental. Nesse sentido, o Partido da Causa Operária (PCO), escreveu em sua imprensa que “a vitória do Talibã contra o imperialismo é a vitória de todo povo oprimido”. Trata-se de uma inversão do maniqueísmo propagandeado por Washington. Se, no caso da geopolítica do Oriente Médio, os EUA são um “mal” (de fato, são mesmo); isso não significa, automaticamente, que o Talibã seja o “bem”.
Este vídeo pode te interessar
Pensar que o Talibã representa a resistência de um povo oprimido ao imperialismo é pueril, pois o grupo oprime sua própria população, sobretudo as mulheres. Além do mais, o Talibã ainda contribui para aumentar o imaginário ocidental islamofóbico. Suas ações são utilizadas para justificar o falacioso discurso que considera o islã como uma religião inerentemente violenta. Em suma, geopolítica é uma temática muito complexa para se resumir a tweets de 280 caracteres, a dicotomias hollywoodianas ou ser analisada como uma partida de futebol, em que você tem que “torcer” por um dos lados em disputa.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.