Na década de 1980, o sociólogo Herbert Daniel afirmava que o “vírus ideológico” (viés do preconceito nos dias atuais) era muito mais difícil de enfrentar que o vírus biológico. No enfrentamento do HIV/Aids e do preconceito social sua visão revolucionária e válida até os dias de hoje lançava mão da solidariedade, acolhimento e inclusão.
A campanha do ano de 2020 do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) traz como tema justamente a solidariedade mundial e a responsabilidade compartilhada, traçando o panorama da pandemia vivida atualmente por conta do COVID-19 de que “ninguém está seguro até que outras pessoas estejam seguras”.
Indivíduos que convivem com o HIV/Aids são amparados pela Constituição Federal, que assegura em seu artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, garantindo-se o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como o acesso à saúde, direito social previsto no artigo 6º.
Em 1989, foi aprovada no “Encontro Nacional de ONGs, Redes e Movimentos de Luta contra a Aids (ENONG)” a Declaração dos Direitos Fundamentais das Pessoas Portadoras do Vírus da Aids, visando o cumprimento dos ditames constitucionais e o reconhecimento do portador do vírus HIV como um cidadão, frente ao princípio da dignidade da pessoa, esculpido na Carta Magna.
A Declaração cita diversos direitos, dentre eles: o acesso a informações específicas sobre sua condição; assistência e tratamento da doença; participação em todos os aspectos da vida social; e também privacidade ao portador do vírus, assegurada por todos os serviços médicos e assistenciais. Além disso, o portador tem direito à medicação necessária ao seu tratamento, gratuitamente, a teor da Lei Federal nº. 9.313/1996, estando disponíveis na rede pública testes gratuitos para HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis.
A relação médico-paciente precisa ser pautada no respeito e no sigilo profissional. A Constituição Federal no artigo 5º, X, traz como direito fundamental a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Já o Código de Ética Médica possui como princípio fundamental o sigilo médico a respeito das informações de que o profissional médico detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.
A lei nº 12.984/2014 veda a revelação do diagnóstico de paciente HIV positivo a pessoas não autorizadas com o intuito de ofender a dignidade, sob pena de prisão punível com reclusão de 1 a 4 anos e multa, estabelecendo como crime a discriminação contra pessoas que vivem com HIV ou AIDS. Outras condutas tipificadas como discriminatórias na referida legislação são a recusa de matrículas escolares de alunos soropositivos, a demissão ou a segregação no ambiente de trabalho ou escolar e a recusa ou o retardo de atendimento de saúde.
Nas situações envolvendo a Aids, diante do fato desta ser uma patologia que atua em destruição do sistema imunológico, com caráter pandêmico, é imperiosa a comunicação do parceiro de portadores de HIV/Aids, em virtude da possível cadeia de transmissão, na falta de informação. Ademais, a Aids é patologia inserida nas doenças de notificação compulsória para fins epidemiológicos pelo Ministério da Saúde, devendo o fato ser informado à autoridade pública.
O principal remédio atual para a epidemia continua sendo o mesmo sustentado pelo sociólogo Herbert Daniel, o combate ao “vírus ideológico”. Por isso, o tema da campanha de 2020 possui como norte a solidariedade e a prevenção pelos cidadãos como um todo, sendo necessário um diálogo aberto e constante envolvendo membros da sociedade civil, profissionais da saúde, pacientes e gestores, em análise dos cenários sociais e das desigualdades no tratamento de populações mais afetadas.
A autora é advogada e especialista em direito empresarial e da saúde
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