No Brasil com significativa presença evangélica, os dilemas mais particulares desse grupo religioso tornam-se temas públicos. O que antes se resumia a discussões circunscritas a denominações pouco conhecidas, de “gente estranha” ou de “religiosos não católicos” – ideias ainda preservadas por certa parte da elite brasileira – tem ganhado status de preocupação popular.
Entre os assuntos que podem ser categorizados como tipicamente evangélicos está a crise com a tradicional árvore de Natal, os famosos pinheiros (reais ou réplicas) enfeitados com diversos penduricalhos para a alegria das crianças, pelos menos aquelas cujas famílias não precisam escolher entre comer ou ter o tradicional objeto natalino, pois precisamos nos lembrar que o Natal e os presentes não são iguais para todos (mas essa é outra história).
Pois bem, alguém poderia logo no início dessa prosa redarguir-me a respeito da razão da tensão. O motivo maior do desconforto se dá especialmente por ter se popularizado entre alguns irmãos e irmãs a ideia de que a árvore de Natal tem origens pagãs, ligadas a cultos antigos vinculados ao solstício de inverno.
Na verdade, se formos analisar com frieza, mesmo que não seja unanimidade entre os historiadores, a celebração do nascimento do menino Jesus no dia 25 de dezembro tem mais a ver com a cooptação cristã das festas em homenagem a Saturno no contexto do solstício, que acontecia exatamente no final do ano, do que realidade histórica.
Além disso, os cultos de religiões antigas não judaico-cristãs conectados a árvores, muitas vezes representando divindades femininas, e seu desenvolvimento em culturas posteriores ajudam na revolta de certos evangélicos contra a árvore de Natal.
A despeito do incômodo atual, a prática de ornamentar pinheiros ou suas réplicas no contexto da celebração do nascimento do Messias tem uma longa história. A origem dessa tradição não é fácil de mapear. Mesmo que tal informação seja contestada, a Letônia poderia ter sido a primeira região, no século XVI, a utilizar-se da ornamentação natalina. Em 1848, a Rainha Vitória do Reino Unido e sua família popularizaram a utilização desse símbolo ao colorir a casa real com sua árvore cristã. Há uma famosa história que atribui a Martinho Lutero, importante reformador alemão, a origem da utilização de velas nas árvores de Natal para reproduzirem o brilho das estrelas da noite de inverno.
Sendo todas essas informações reais ou não, é certo que a árvore de Natal se tornou um símbolo indiscutivelmente presente nas festas cristãs natalinas. Essa relação é tão popular que a antiga União Soviética, com sua tendência antirreligiosa, motivou a troca da árvore de Natal e as comemorações natalinas pelas festas de Ano Novo.
A discussão entre evangélicos sobre a árvore, mesmo que pareça ridícula, ainda tem lugar em diversos setores, o que obviamente não representa a totalidade dos fiéis. Inclusive, há muitas igrejas que ornamentam o templo com bonecos do Papai Noel e embelezam até o púlpito com uma imponente árvore natalina. Provavelmente, o incômodo com a árvore de Natal seja resultado de terrorismo religioso com tons conspiracionistas.
Enfim, neste tempo em que se celebra o nascimento de Jesus, com ou sem árvore, o que deve nos incomodar é o quanto sua mensagem de amor, justiça e reconciliação realmente tem lugar no mundo.
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