A democracia brasileira atravessa momentos conturbados. Após uma redemocratização que deixou feridas, houve uma Constituição feita por um Congresso eleito em 1986, mas aproveitado em 1987 para ser Constituinte.
Começou errado. O Poder Constituinte foi dado a um Congresso eleito que, após redigir a Constituição, continuou a governar. Isso criou as condições ideais para toda a sorte de privilégios, especialmente para os próprios políticos.
Convivemos, desde então, com uma série de incongruências. Em 35 anos de existência, a Constituição parece não caber no país que deveria reger. Não é à toa que já foram feitas 128 emendas.
Em temporada de estudos nos EUA, mas atento à política brasileira, é inevitável traçar um comparativo entre esses dois cenários. Comparação feita, inclusive, diante dos ataques de denominados bolsonaristas à Praça dos Três Poderes, em Brasília, nesse domingo (8). Há dois anos, trumpistas invadiram o Capitólio, símbolo do governo norte-americano.
A exemplo de Trump, Bolsonaro fez reacender uma militância de direita entre eleitores conservadores nos costumes e liberais na economia. É possível dizer que Bolsonaro tem o mérito de ter criado a militância de direita. No Brasil, até então, a militância política era de domínio da esquerda.
Nos EUA, a tentativa de reeleição de Donald Trump fracassou. A de Bolsonaro, no Brasil, também. O radicalismo trumpista parece ter chegado a um esgotamento. Para o bem dos democratas de direita no Brasil, é preciso repensar o script americano.
O radicalismo afasta o eleitor mediano, aquele cidadão preocupado em colocar comida na mesa e a cidadã que está atrás de um melhor emprego para dar educação e saúde aos filhos.
Lá e cá, o radicalismo só retroalimenta uma máquina política ansiosa por denuncismos, pronta para, vez e outra, aplaudir alguma pirotecnia jurídica. Ignoram violações do direito de defesa, das prerrogativas da advocacia, das liberdades individuais, se for para destruir um oponente e a reputação dele.
Vemos, especialmente no Brasil, o poder político, eleito pelo voto popular, perdendo espaço. Muitas vezes apequenando-se voluntariamente. Na política, vale lembrar, o vácuo não é tolerado. Se deixar uma prerrogativa abandonada, alguém vem e toma. Recuperá-la é muito difícil. Vivenciamos a transferência de legitimidade dos agentes políticos eleitos para oficiais públicos não eleitos. Ministério Público, Magistratura, Procuradorias-Gerais, Tribunais de Contas e afins.
O script do radicalismo, ao que tudo indica, é uma receita que está se esvaziando, sendo fadada ao fracasso. Para quem defende a democracia, em qualquer posição política, o radicalismo é uma praga a ser evitada. Como disse Ulysses Guimarães, “conhecemos o caminho maldito”.
Que a política faça nascer opções para a democracia. Sem a violência e sem o protagonismo de oficiais públicos não eleitos. Só assim o voto, instrumento máximo das repúblicas constitucionais, será valorizado e, com isso, o povo será o dono efetivo dos destinos da nação.
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