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É promotora de Justiça

Até onde vai a banalização da violência?

Banalizar a violência é uma tragédia social. As pessoas não podem viver amedrontadas em seus espaços de sobrevivência, seja dentro de suas casas, seja nas ruas dos bairros onde moram ou frequentam

  • Maria Clara Mendonça É promotora de Justiça
Publicado em 22/03/2025 às 13h00

Rajadas de tiros na madrugada do dia 18 de março trocadas entre o Morro da Garrafa e o Jesus de Nazareth assustaram moradores locais e dos bairros vizinhos: o tiroteio foi ouvido da Praia do Suá, de Santa Helena, de Bento Ferreira e da Enseada. Segundo os moradores, o barulho durou aproximadamente duas horas e algumas casas foram atingidas por projéteis.

As investigações sobre os acontecimentos estão sendo produzidas pelas autoridades competentes e os resultados devem ser informados brevemente em canais próprios. Mas o que aconteceu nesta semana vai além da apuração sobre os responsáveis pelo tiroteio semanal. O episódio expressa um fenômeno muito mais perigoso: a banalização da violência.

O conteúdo que os noticiários dos últimos dias nos revelam não se resume a uma briga entre facções do tráfico. No Espírito Santo, as manifestações do crime organizado são cada dia mais frequentes, mais resistentes e mais vigorosas. Além disso, as armas utilizadas nesses eventos têm sido, progressivamente, mais sofisticadas.

Na outra ponta, estão as comunidades e as pessoas que as habitam. Vem chegando para esses moradores, nem tão de mansinho assim, um dia a dia que começa a normalizar tiroteios, mortes e inseguranças. Nessas regiões, ficam mais comuns, também, as operações policiais. Diante desse cenário, o Estado amplia o controle das comunicações, o monitoramento das pessoas e aumenta o volume e a força no enfrentamento dos criminosos, por meio de operações policiais e do confronto. A violência torna-se circular.

Banalizar a violência é uma tragédia social. As pessoas não podem viver amedrontadas em seus espaços de sobrevivência, seja dentro de suas casas, seja nas ruas dos bairros onde moram ou frequentam. Realmente, quando o medo toma conta da cidade, a resposta estatal é um remédio amargo e necessário em frente à criminalidade.

Acontece que, toda vez que a guerra contra o crime ocupa um espaço desproporcionalmente preponderante em relação às soluções e serviços para tornar a vida das pessoas melhor, uma sociedade tem um problema grave. A guerra não pode ganhar mais holofotes do que a solidariedade e o desenvolvimento humano. Não em um lugar que se considere bom para se viver, não em um lugar de pessoas livres e iguais.

Vidro da sala foi atingida por disparo em meio a intenso tiroteio nesta terça-feira (18)
Vidro da sala foi atingida por disparo em meio a intenso tiroteio nesta terça-feira (18). Crédito: Leitor / A Gazeta

Certamente, os noticiários mais recentes do tiroteio acendem sinais vermelhos para a sociedade capixaba e devem alertar, igualmente, as instituições deste Estado; todas elas – inclusive, mas não apenas – as forças de segurança pública. Policiais estão no front, mas o combate que realizam é apenas a ponta de um iceberg que nos reclama, em letras maiúsculas, o cumprimento das promessas de redução de desigualdades sociais.

Nós estamos, é claro, tentando o nosso melhor para cumpri-las, com grandes conquistas na redução de homicídios, mas a brutalidade coloca definitivamente no debate público que é preciso intensificar os esforços a fim de dar coerência às esperanças de transformação social e acelerar avanços civilizatórios. Afinal, a pergunta do tiroteio é a seguinte: o que realmente nos falta para vencer a guerra contra a banalização da violência?

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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