O Projeto de Lei 1904/24, o PL do aborto, proposto pela bancada evangélica, tem sido o epicentro de intensos debates na Câmara dos Deputados. Enquanto seus defensores argumentam pela proteção da vida desde a concepção, os críticos apontam impactos potenciais adversos em casos de complicações de saúde fetal ou riscos à vida da gestante, destacando dilemas éticos, jurídicos e de saúde pública.
Em paralelo, relatos contínuos de abusos sexuais perpetrados por lideranças dentro das igrejas ecoam como uma realidade dolorosa e persistente. Muitas vezes, esses abusos são encobertos pelas próprias instituições para evitar escândalos públicos, levantando sérias questões sobre a responsabilidade desses religiosos.
Segundo relatos verídicos, as vítimas enfrentaram anos de silenciamento e negligência por parte das autoridades eclesiásticas. “Fui abusada pelo meu pastor aos 14 anos. Ninguém acreditou em mim quando contei”, lamenta Maria*, que optou por manter seu anonimato por medo de retaliação.
Este cenário alarmante suscita críticas à postura dos parlamentares que compõem a bancada evangélica no Congresso Brasileiro. Enquanto detentores de influência política significativa , seu foco parece estar na criminalização das vítimas, em detrimento de medidas mais compassivas e efetivas. “É incompreensível que, em vez de priorizar o apoio às vítimas e a criação de ambientes seguros dentro das igrejas, eles insistam em penas severas para quem se encontra vulnerável”, critica Ana*, que há anos luta por justiça após ter sido abusada por um líder religioso.
Em paralelo ao debate sobre o PL 1904/24, é essencial que a bancada evangélica reconheça e aja sobre os graves problemas de abuso sexual dentro das instituições religiosas. As medidas legislativas devem ser complementadas por iniciativas concretas que promovam a justiça e a proteção às vítimas, em vez de apenas polarizar a sociedade com temas que não podem abordar as raízes dos problemas enfrentados.
O projeto de lei que equipara o aborto a homicídio vai colocar em risco a vida de milhares de brasileiras, especialmente meninas, que são as principais vítimas da violência sexual no país, em diferentes circunstâncias, já que muitas são abusadas no ambiente familiar ou em locais de convívio onde deveriam sentir-se seguras.
Se uma dessas garotas, por medo ou desconhecimento, descobrir uma gravidez tardia, após 22 semanas de gestação, não terá o direito de buscar apoio para fazer o aborto, que não será mais considerado legal, caso o projeto vire lei. Se fizer o procedimento, à ela e ao médico responsável, caberá o rigor de uma pena que pode variar de seis a 20 anos de detenção. Enquanto isso, o abusador poderá ser condenado a no máximo 10 anos na cadeia. Essa é uma questão de saúde pública e direitos humanos, que jamais deveria ser decidida no calor de um debate político permeado por interesses escusos.
Eu, assim como muita gente, não sou a favor do aborto, mas esse assunto deve ser debatido por toda a sociedade e não se restringir à votação de um PL que, ao ganhar caráter de urgência, será votado a toque de caixa diretamente em plenário, sem passar por nenhuma comissão, e ainda sob a suspeita de deixar o ônus do veto para o governo. É desumano usar a fragilidade da população dessa forma.
*Os nomes foram alterados para proteger a identidade das vítimas.
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