As apostas esportivas ganharam uma popularidade explosiva, resultando no aumento de comportamentos extremos entre os apostadores. Porém, por trás desse fenômeno, há um processo neurobiológico mais profundo impulsionado pelo sistema de recompensas do cérebro e pelo papel da dopamina, conhecida como a "molécula do desejo".
Quando uma pessoa aposta e ganha, seu cérebro experimenta uma liberação de dopamina, um neurotransmissor associado à busca pelo prazer e pela recompensa. Essa sensação de prazer reforça o comportamento, levando a uma busca constante para reviver essa sensação. Com o tempo, o ambiente hiperestimulante desse ciclo repetido de apostar para buscar o “pico” da dopamina leva ao desenvolvimento de comportamentos compulsivos.
Esse processo é muito semelhante a como outros tipos de vícios se desenvolvem. No jogo, no uso de substâncias, no abuso de tecnologia ou até mesmo no trabalho excessivo, o sistema de recompensa do cérebro fica condicionado a buscar atividades que prometem uma explosão de dopamina, independentemente de seus potenciais danos. A imprevisibilidade, intrínseca às apostas esportivas — a possibilidade de ganhar grande —, torna essa compulsão ainda mais forte.
A aleatoriedade dessas apostas, ou seja, as expectativas não lineares, irregulares e inesperadas (como ganhar uma aposta após uma série de perdas), funciona como reforçadores poderosos, aumentando o desejo de continuar apostando.
A natureza viciante das apostas e do jogo pode ser rastreada até em experimentos psicológicos fundamentais. Um estudo particularmente significativo foi conduzido por B.F. Skinner, um cientista comportamental, na década de 60. Skinner explorou o reforço comportamental usando pombos em uma série de testes que fundamentaram a compreensão do conceito de reforço intermitente.
Em seus estudos, Skinner colocou pombos em uma caixa, conhecida como "Caixa de Skinner", onde eles poderiam bicar uma alavanca para receber comida. No entanto, ao invés de fornecer alimento toda vez que a alavanca era acionada, Skinner implementou um sistema de recompensas aleatórias e imprevisíveis — às vezes, a comida aparecia após uma única bicada, outras vezes após várias bicadas, e às vezes não aparecia de forma alguma. Esse reforço intermitente levou os pombos a desenvolverem comportamentos compulsivos, bicando a alavanca constantemente na esperança de receber a recompensa.
Com base nesses experimentos, o maior fabricante de máquinas caça-níqueis no mundo remodelou a lógica das suas máquinas, que são as atualmente usadas em todo o mundo. Esse conceito de aleatoriedade amplifica a expectativa de maneira muito semelhante às bets atuais, pois nelas é possível um sem número de combinações aleatórias nos jogos propostos.
A incerteza de quando (ou se) a recompensa virá cria um ciclo contínuo de busca e desejo, que é a base do desenvolvimento do comportamento viciante. Podemos tratar isso com a similaridade de um looping infinito do ciclo dopaminérgico para aquela proposta de prazer.
Embora a base neurológica do vício em apostas seja clara, as consequências vão muito além do indivíduo. Dados do Banco Central do Brasil mostram que, em agosto de 2024, aproximadamente R$ 3 bilhões foram gastos nas bets somente por beneficiários do Bolsa Família.
O entusiasmo por apostar, combinado com a compulsão cerebral para buscar recompensas, pode levar a perdas financeiras devastadoras. O seu cérebro, emocionalmente, não sabe diferenciar a utilização do dinheiro. Se pode, se não pode, se é muito ou se é pouco. Ele apenas quer o prazer daquele estímulo e, automaticamente, a busca por isso reduz o desejo por outras coisas como trabalho, sexo e envolvimento social, por exemplo.
E não é simples de sair, assim como outros ciclos viciosos que naturalmente os seres humanos se envolvem. Muitos apostadores se veem presos nesse processo de perder dinheiro e buscar recuperá-lo através de novas apostas — um fenômeno conhecido como "chasing losses" (perseguir perdas).
E qual a escala disso? Infinita! Isso pode escalar para a ruína social, inicialmente contribuindo para a ansiedade e até a depressão. Além disso, o impacto atinge famílias e comunidades. A tensão causada por dificuldades financeiras e o estresse relacionado ao vício podem levar a rompimentos familiares, problemas de relacionamento e isolamento social.
A necessidade constante de se engajar em atividades de apostas, combinada com o fardo psicológico da perda e do desespero, muitas vezes resulta em negligência de responsabilidades pessoais e profissionais.
Entender o funcionamento básico do cérebro e o mecanismo por trás do vício proporciona insights importantes sobre por que é tão difícil para as pessoas parar de apostar. A principal forma, entendendo que o seu cérebro está em carência de um ciclo alto de dopamina, é a busca por fazer a substituição dos estímulos.
Afastar-se daquele indesejável, iniciando a inclusão de novos hobbies simples ou atividades que também estimulem o seu cérebro a ter prazer. Mas esse é um assunto que carece de um acompanhamento profissional e possivelmente terapias específicas.
Apostar pode começar como um passatempo divertido, mas seus mecanismos neuroquímicos mais profundos têm o potencial de causar danos duradouros, tornando vital abordar esse tema com cautela e compreensão dos riscos envolvidos. Ou entendemos isso ou seremos manipulados como pombos.
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