A desigualdade tem assento cativo nas salas de aula da escola pública, um triste retrato que levantou reações marcantes como o Projeto Universidade para Todos (Pupt), do qual fui um dos fundadores, num trabalho que viabilizou o acesso ao ensino superior de milhares de estudantes egressos da rede pública.
Mais de duas décadas se passaram e, em pleno ano pandêmico, quando a qualidade da educação para aqueles com maior vulnerabilidade social já vem sendo sacrificada, vimos com estranhamento a proposta contra milhões de jovens de baixa renda. A manobra tentava acoplar no Novo Fundeb a pá que aprofundaria o abismo entre as escolas públicas e privadas. Soaram no mínimo preocupantes as mudanças introduzidas no Projeto de Lei 4.372/2020.
Respiramos por ora aliviados com a decisão do Senado de manter o texto sem os destaques que passaram pela Câmara e promoveriam essas modificações. Estas tirariam parte das verbas das escolas públicas para ratear o bolo do Fundeb também com unidades filantrópicas e religiosas e as ligadas ao Sistema S, que são importantes instituições para a educação e a formação profissional, mas já contam com isenções fiscais e aporte de recursos públicos. Felizmente desta vez não vingou.
É preciso ficar atento para que outras movimentações legislativas com planos semelhantes não sejam levadas adiante. Em caso de aprovação, seriam subtraídos mais de R$ 15 bilhões da educação pública. Inconcebível para quem conhece as dificuldades das salas de aula.
A diligência em defesa do ensino público tem de ser uma constante para que esse cômputo não seja ainda mais deficitário. A matemática só flagra desvantagens: dados do Censo Escolar 2018 indicam que 20% das escolas de ensino fundamental da rede pública não têm banheiro em seu prédio, e 40% não contam com acesso à rede pública de abastecimento de água (utilizam poços ou cisternas; em 5%, não há água). Dos colégios de educação infantil, cerca de 70% não apresentam ligação com o sistema público de esgoto.
É um quadro atroz, que reflete sua imagem no ensino superior, impondo dificuldade de acesso dos estudantes pobres e pretos às cadeiras das faculdades, mesmo com as cotas sociais e raciais. E aqui peço licença, caro leitor, para evocar minhas memórias durante a atuação no Projeto Universidade Para Todos. Tocante era ver alunos oriundos da rede pública em sala entusiasmados e empenhados por seu futuro. Só precisavam de uma chance. Abrimos as portas com o pré-vestibular popular; eles escancaram outras ao entrar na faculdade e fazer valer sua força no mercado de trabalho. Não se trata de meritocracia, é questão de oportunidade.
Penoso é ainda hoje observar muitos jovens que padecem com a falta de estrutura da escola pública e que, na hora de disputar uma vaga no ensino superior justamente numa instituição mantida pelo governo, sofrem com anos de ensino deficitário. Cruel descaminho.
O esforço é de todos nós para defender o nosso já vulnerável ensino público. Reitero: é preciso estar vigilante.
O autor é geógrafo, mestrando em Administração Estratégica do Setor Público e Privado pela Fucape e um dos fundadores do Projeto Universidade Para Todos
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.