Quarta-feira, dia 24 de março de 2021, durante uma sessão no Senado Federal, o assessor especial para Assuntos Internacionais da presidência da República, Filipe Martins, foi flagrado realizando um gesto peculiar com as mãos. Por coincidência, ou não, o gesto se assemelha ao símbolo “WP” (White Power), abertamente utilizado por extremistas conhecidos mundialmente como “supremacistas brancos”. Tal fato gerou grande desconforto e preocupação pelo perigo que o suposto gesto representaria, no sentido de reforçar preconceitos, legitimar violências e alimentar mais ódio no país, sobretudo em meio a uma política tão polarizada como a nossa.
O brasileiro não precisa de mais ódio, ainda mais vindo de autoridades públicas.
Não passou despercebido tal comportamento, e o presidente do Senado Federal ordenou apuração. Filipe, por sua vez, se defendeu, alegando em suas redes sociais que só estava ajeitando a lapela de seu terno. O ato ainda vai ser investigado, mas de antemão registramos que provocou alerta e grande preocupação.
O gesto em questão não se trata de novidade: há alguns anos é considerado pela Liga Antidifamação (ADL), organização que monitora crimes de ódio nos Estados Unidos, como uma expressão legítima dos adeptos da supremacia branca. Os três dedos soltos ficam em posição semelhante ao “W”, da palavra “White”, ao passo em que os dedos indicador e polegar que se tocam nas pontas aparentam o formato da letra “P”, que representa a inicial da palavra “Power”.
Entidades judaicas no Brasil, como o Museu do Holocausto de Curitiba, reprovaram o gesto de Filipe Martins, que já havia se envolvido em grave polêmica, quando compartilhou na internet o poema que abriu o manifesto do atirador da Nova Zelândia, Brenton Tarrant, responsável por assassinar 51 pessoas enquanto visitavam mesquitas. Convém lembrarmos que Brenton Tarrant gravou essa atrocidade e transmitiu tudo pelas redes sociais. Foi preso, processado e, durante o julgamento que lhe decretou prisão perpétua, utilizou a mão direita para retratar o símbolo “WP”.
Em meio a tantas notas de repúdio e críticas, certo é que Filipe não deve ser condenado sumariamente, pois enquanto pessoa, nos termos do art. 10 da Declaração universal dos direitos humanos, "tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres, ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele". A convenção americana de Direitos Humanos, de forma similar em seu art. 8, item 2, define que a pessoa "tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.
Naturalmente, Filipe já sente na pele os efeitos do seu comportamento. No século XXI tudo é gravado, compartilhado e comentado em qualquer canto do planeta. O famoso “Tribunal da Internet” é verídico e detém força suficiente para modificar o destino das pessoas.
Ademais, mesmo que a intenção do assessor não fosse a de reproduzir uma expressão de ódio, ainda assim deve-se considerar a necessidade de que haja, ao menos, uma orientação de cuidado por parte de um representante da nação brasileira – eles que são alvos de olhares atentos dos mais variados públicos. Basta uma gesticulação ou palavra inadequada para criar problemas inoportunos.
Nesse enfoque, convém trazer à tona o debate sobre as expressões de linguagem, afinal elas podem legitimar investidas de violência para aqueles que observam tais atitudes, se identificam e reproduzem os gestos acompanhados de outras ações violentas.
Fatos como esse nos levam à reflexão acerca dos discursos de ódio (que, lamentavelmente estão sendo cada vez mais naturalizados em nossa sociedade contemporânea) e, por isso, é importante que não sejamos complacentes com insinuações a favor do preconceito e da violência, porquanto configuram graves violações de Direitos Humanos.
Paralelamente a todos esses fatos, não podemos nos esquecer que vivemos em um Estado Democrático de Direito, e Filipe Martins é um cidadão que, como qualquer outro, merece o benefício da dúvida, conforme prevê o art. 5º, inciso LVII da Constituição da República. Somente através do processo, presidido por um Juízo imparcial, assegurando-se às partes envolvidas o direito ao contraditório, será possível concluir tecnicamente pela condenação ou inocência.
E que a Justiça seja feita, independentemente de raça, credo, cor ou nacionalidade.
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