Em abril deste ano, Portugal celebrou 50 anos de Democracia. E, quando utilizo o verbo 'celebrar', refiro-me ao sentido literal da palavra, ou seja, com celebrações. As ruas foram tomadas pelo alívio dos portugueses, de diferentes gerações, que saíram para comemorar o que a democracia significa: liberdade. Nas escolas, os professores trabalham o símbolo da liberdade com os alunos e a importância da democracia para o país.
Mas este não é um texto para falar sobre a “Festa dos Cravos”, como é chamada em Portugal. O objetivo aqui é chamar a atenção do Brasil para a importância de olhar para o passado e (re)contar a sua história. E não, não falo sobre o período dos 'Descobrimentos' para estabelecer uma relação entre Brasil e Portugal; afinal, 'descobrimento' também não seria um termo mais adequado, mas isso é um assunto para outro momento.
A história que precisamos contar é a da ditadura militar, o golpe de 1964, que perdurou até 1985 no Brasil - 21 anos de governos comandados por militares, sem eleições diretas. Mais de duas décadas com Atos Institucionais para privar liberdades, expulsar contrários ao regime, censurar opiniões divergentes, torturar e matar quem fosse contra o que era estabelecido.
As notícias que dominaram o noticiário político brasileiro na terça-feira (19), desviando a atenção da reunião do G20, em que os líderes das principais economias do mundo estavam em solo verde e amarelo, não são apenas reflexo dos acampamentos e dos ataques de janeiro de 2023. São, sobretudo, resultado de um país que insiste em não encarar de frente a ditadura militar, recusando-se a responsabilizar devidamente os militares pelos crimes cometidos naquele período.
Felizmente, temos a arte para contar histórias enquanto a justiça e a política buscam soluções. Filmes como 'Ainda Estou Aqui' (ainda não vi, mas sei que aborda o tema) ajudam a manter viva a memória de figuras como Rubens Paiva. Utilizam a ficção, mesmo que inspirada na vida real, para incutir nas pessoas o desejo de conhecer mais sobre a história. É um trabalho importante, mas não deveria se restringir a esse campo.
Enquanto o nosso país continuar a trilhar o caminho de anistiar os responsáveis pelos horrores de 1964, será difícil evitar os 'sustos' que continuam a surgir no cenário político. No entanto, anualmente discute-se se o evento é golpe ou revolução. Pode-se comemorar? E se isso irritar os militares? E a Comissão da Verdade, criada no governo Dilma Rousseff (PT)? Não há um consenso, pois gritam as opiniões polarizadas. A história fica esquecida. Vira mito, algo inventado para assustar.
Essa recusa em encarar o passado cria um ciclo de impunidade e negação que ainda alimenta a instabilidade no presente. O escritor brasileiro Millôr Fernandes, autor de uma das frases que mais descreve este período, 'O Brasil tem um enorme passado pela frente', estaria, talvez, esperando ansiosamente para que seu pensamento caísse em desuso e envelhecesse. No entanto, cada vez mais, sua opinião se torna latente. Repete-se como um enorme clichê – e necessário.
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