O Espírito Santo vem acontecendo já há algum tempo, por força de exuberantes atributos que só o espesso provincianismo do “gentio” permitiu que por tanto tempo ficassem anônimos. Qual uma maldição, a da condenação ao ostracismo por conveniência da Coroa Portuguesa que impediu o desbravamento do seu interior de modo a facilitar o acesso de aventureiros às minas gerais, sua irrelevância geopolítica alcançou até o último quarto do século passado.
Desde então, gradualmente, tanta riqueza concentrada em um território tão exíguo começou naturalmente a transbordar na região Sudeste, onde os grandes centros já experimentavam a degradação de um urbanismo acelerado pelo crescimento populacional. Sua privilegiada localização, seu ecletismo étnico e fisiográfico, mesclando capixabas de todas as raças com paisagens que alternam montanhas e praias, vêm construindo a identidade do Espírito Santo como a última fronteira nacional a ser descoberta, tendo tudo acontecido em seu entorno.
E aí, como um João Batista pregando no deserto sobre o advento de uma terra prometida, temos a figura de Cacau Cavalcanti - José Carlos (Cacau) Monjardim Cavalcanti - proclamando insistentemente as virtudes ainda ignoradas de sua terra e seu fervoroso capixabismo. Certamente, não bastasse tantos feitos, será lembrado pela entronização da moqueca como nosso maior legado gastronômico e uma das primeiras marcas de nossa identidade, com sua impagável “moqueca só capixaba, o resto é peixada”.
Capixaba em regime integral, Cacau não se cansou de amealhar manifestações de nossa cultura que nos confere uma identidade singular. Elaborou decálogos de ocorrências e eventos que distinguem o Espírito Santo nacionalmente. Criava, do próprio bolso, lembranças e jogos que remetiam ao capixabismo, como um infatigável profeta de uma causa.
No empenho de promover nossa identidade folclorizou até o jogo de porrinha como manifestação lúdica só que jogada com pedrinhas semipreciosas. Garimpou jogos e brincadeiras que propunha como típicos da cultura capixaba. Exerceu com convicção essa afirmação da identidade capixaba na vida pessoal e ao tempo em que desempenhou alguma atividade pública, como ao criar a Empresa Capixaba de Turismo, empresa concebida para fugir ao engessamento burocrático do setor público e dispor de maior agilidade operacional para implementar seu entendimento visionário do potencial do Espírito Santo como um destino turístico vigoroso equipado com patrimônio natural e histórico. Sabia que quando a natureza não é suficiente, conta-se sedutoras histórias para a construção do imaginário que abastece o turismo. Mas não era o caso do Espírito Santo com sua versatilidade de cenários.
A Rodovia do Sol nasceu exatamente do seu visionarismo onde uma Rota do Sol perpassaria uma Cidade do Sol como atração dos polos emissivos para o ainda desconhecido litoral capixaba, basicamente reduzido então a Guarapari e Praia da Costa.
Nos últimos anos, notadamente na virada do século/milênio e com a cosmopolitização do capixaba, muitos viajando mundo afora, passou a valer o aforismo de que melhor conhece sua aldeia quem conhece o mundo. Muita gente teve que conhecer outros rincões para perceber o Espírito Santo, o que Cacau com sua percepção dispensou. Foi renitente mesmo e muito antes da identidade capixaba ser percebida como um tardio senso de pertencimento ele a afirmava de todas as maneiras, com o messianismo típico dos apaixonados.
Quando o ES começa a despontar nacionalmente por efeito de diversas contingências, é irônico que Cacau não esteja a bordo. Fisicamente. Porque certamente o efeito de seu engajamento na proclamação da sua terra quando ela ainda não era de tantos seguirá tempos afora inspirando os que permanecem e por isso percebem como é bom estar aqui. Apenas estar aqui. Ave Cacau. Que aí, do outro lado, você constate que Vitória do Espírito Santo é mais que um nome. Uma predestinação.
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