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É advogado e mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais na FDV

Carnaval e criminalidade: entre a festa e os limites legais

A lei penal não entra na folia, e os excessos cometidos no curto período do carnaval podem repercutir negativamente ao longo de uma vida inteira, tanto para quem comete quanto para quem sofre o crime

  • Marcelo Paiva Santos Filho É advogado e mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais na FDV
Publicado em 03/03/2025 às 10h00

O carnaval, festa popular mais famosa do Brasil, está acontecendo e milhões de brasileiros celebram nas ruas e avenidas das principais cidades. No entanto, a conhecida atmosfera festiva se contrapõe com notícias de ilícitos penais que costumam surgir com mais intensidade nessa época.

Em 2024, por exemplo, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania registrou um aumento de 38% nas denúncias feitas ao "Disque 100", serviço de denúncias de violações aos Direitos Humanos, em comparação ao ano anterior.

Com o objetivo de combater crimes que se intensificam durante os festejos, principalmente os praticados contra mulheres, campanhas educativas ganham força. A conhecida campanha "Não é não", por exemplo, cresceu nos últimos anos com o objetivo de conscientizar sobre a importância do respeito à mulher.

Algumas condições ambientais acabam favorecendo a ocorrência de crimes nesse período do ano, como a grande aglomeração de pessoas, o consumo excessivo de álcool, a maior exposição dos corpos e até mesmo a desatenção em relação a pertences pessoais.

Como há um clima mais descontraído, e considerado propício para o flerte e as relações casuais, tendem a ser mais frequentes os abusos e desrespeitos. Não se deve permitir que a festividade acabe se tornando um período de absoluta permissividade, sem limites, trazendo transtornos para os próprios foliões ou para a sociedade como um todo.

A exibição da nudez ou prática de ato sexual em via pública, por exemplo, são ilícitas, conforme o artigo 233 do Código Penal: “Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”. O dispositivo prevê pena de detenção de três meses a um ano, ou multa.

Outro excesso típico da época, e que cruza a fronteira do mero aborrecimento para configurar um crime, é o da importunação sexual. O delito, previsto no artigo 215-A do Código Penal, tem sido foco de campanhas educativas recentes. Esse delito ocorre ao “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, com pena de reclusão, de 1 a 5 anos, se não constitui crime mais grave.

Toques em partes íntimas, “apalpadas”, “passadas de mão” sem consentimento ou beijos “roubados”, aproveitando-se da distração de alguém ou da superlotação do lugar, são condutas que caracterizam o ilícito em questão.

A importunação sexual é frequentemente confundida com o assédio sexual (art. 216-A do Código Penal). Isso acontece porque o “assédio”, na linguagem do dia a dia, é sinônimo de “abordagem desrespeitosa”, como o que acontece com “cantadas” grosseiras e investidas insistentes.

Mas o assédio sexual, na linguagem jurídica, é muito restrito e não se relaciona com nada que possa ocorrer pelas ruas: ele exige a condição de superioridade hierárquica entre as partes, como no caso de um chefe que se aproveita de sua posição para constranger um subordinado a ter com ele algum contato de natureza sexual, prevalecendo-se de sua posição de autoridade dentro de uma relação de trabalho ou mesmo acadêmica.

Importante destacar que a classificação de condutas mencionadas nas circunstâncias das festividades do carnaval como assédio é um erro técnico de tipificação, presente, inclusive, nas próprias campanhas educativas do poder público.

Puta Bloco 2024, no Centro de Vitória
Puta Bloco, no Centro de Vitória, em 2024. Crédito: Ricardo Medeiros

Além dos crimes mencionados, que estão ainda entre os mais leves, não se olvida o considerável aumento na ocorrência de outros delitos durante o carnaval, como roubos (subtrações com violência ou grave ameaça à pessoa), lesão corporal, homicídio e crimes sexuais mais graves, como estupro e violação sexual mediante fraude.

Diante disso, moderação e respeito são essenciais para garantir que o carnaval continue sendo uma celebração de alegria e diversidade, sem que isso importe, automaticamente, irresponsabilidade. Momento de descontração, mas não de desrespeito.

O fundamental, aqui, é abraçar a ideia da igualdade, do respeito ao espaço alheio, e abandonar qualquer preconcepção de superioridade sobre outra pessoa, que tem sua autonomia e não pode ter seu corpo, sua imagem ou seu patrimônio indevidamente usado para qualquer fim egoísta.

A lei penal não entra na folia, e os excessos cometidos no curto período do carnaval podem repercutir negativamente ao longo de uma vida inteira, tanto para quem comete quanto para quem sofre o crime.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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