O dia 11 de janeiro de 2023 será lembrado por muitos como o dia em que o mercado financeiro brasileiro foi fortemente abalado pelo comunicado realizado pelas Americanas (AMER3). O quinto maior império varejista nacional declarou “inconsistências em lançamentos contábeis” em seu balanço na ordem de R$ 20 bilhões.
O valor inicialmente declarado causou uma avalanche no mercado financeiro, impactando mais de mil fundos de investimento, entre ações, renda fixa, e investimentos imobiliários. No entanto, assumindo a premissa de que “nada é tão ruim que não possa piorar”, após análises posteriores, no dia 19 de janeiro deu-se o início do processo de recuperação judicial da AMER3, sendo declarado R$ 43 bilhões como o valor total que a Americanas considera dever às instituições financeiras; representando dessa forma a quarta maior recuperação judicial do Brasil.
À medida que a notícia ganhou repercussão, uma mesma pergunta ecoou em uníssono em todos os debates e discussões mais acaloradas: como essa inconsistência passou desapercebida? Pois é. Enquanto as responsabilidades internas e externas (incluindo empresas de auditoria) estão sendo devidamente apuradas, as primeiras consequências impostas pelo mercado começam a ser implementadas: a B3 comunicou a exclusão da Americanas (AMER3) de todos os índices das quais a companhia fazia parte, incluindo do Índice Bovespa. Entre os índices que ganham destaque, encontram-se o ISE - Índice de Sustentabilidade Empresarial, IGCX - Índice de Ações com Governança Corporativa Diferenciada, IBXX - Índice Brasil e outros.
Cerca de duas semanas após o epicentro da explosão causada pela notícia, suas ondas seguem reverberando e trazendo incômodos questionamentos quanto à consistência dos dados e índices divulgados pelos grandes players nacionais e internacionais quanto às suas práticas ESG, sigla em inglês que significa environmental, social and governance, e corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização. A “governança”, em especial, é a maneira como uma empresa organiza sua estrutura de tomada de decisões e dá transparência aos processos administrativos.
Embora tenha surgido no final da década de 80, o termo “greenwashing” nunca foi tão contemporâneo. Esse é um termo em inglês que pode ser traduzido como “lavagem verde” e é praticado por empresas e instituições públicas e privadas em geral, tratando-se de uma estratégia de marketing, de promover discursos, ações e propagandas envolvendo a sustentabilidade e que mostraram-se incoerentes na prática.
Como exemplo emblemático, em 2015 a automobilística Volkswagen foi envolvida em uma polêmica relacionada à falsificação de resultados de emissões de poluentes em motores a diesel. Em resposta, a montadora admitiu que usou um programa de computador para burlar inspeções de 11 milhões de veículos no mundo. Na mesma linha, o termo “governance washing” tornou-se pauta das principais discussões envolvendo a confiabilidade dos mecanismos de controle internos e externos de governança aplicados e divulgados.
A reflexão a ser extraída dessa onda que assolou o Brasil neste início de 2023 deve ser voltada a um problema muito maior, como a base de um iceberg cuja ponta emergiu em meio ao caos instaurado e que nos devolve à pergunta: como essa inconsistência passou desapercebida? Como retomar a confiança do mercado investidor e consumidor em meio à crise instaurada?
Existe uma expressão muito usada em inglês, conhecida como “Walk the Talk”, ou seja, “andar” de acordo com suas palavras. Para isso, é primordial que as empresas realizem o caminho contrário, aquele que busca lacunas e fragilidades muitas vezes negligenciadas pela cobrança de resultados imediatos, em especial aquelas lacunas relacionadas a uma mudança da cultura organizacional quanto às pautas e melhores práticas ESG.
Essa mudança precisa ser sólida e não apenas estratégica. Como dizia Peter Drucker, considerado pai da administração moderna, “a cultura come a estratégia no café da manhã”. Investimentos massivos em regulamentações e processos robustos de compliance de nada valem se não houver uma cultura de integridade sólida implementada.
É muito cedo para afirmar se o episódio da Americanas se tornará um grande “case de sucesso” ou se a empresa sucumbirá ao tsunami que a atingiu. No entanto, o que se pode dizer é que o comunicado voluntário (e corajoso) da alta gestão da Americanas pode ter desencadeado um novo movimento, onde o óbvio precisa ser escancarado: ninguém só ganha.
É preciso compartilhar erros, perdas, indicadores negativos e tudo aquilo que demonstra os esforços empregados em uma jornada que nem sempre mostra-se uma ascendente direta ao topo. É preciso mostrar a curva de aprendizado e saber ouvir as críticas, fortalecendo desta forma a transparência, responsabilidade e ética entre seus stakeholders. Afinal, em um mundo onde todos mostram apenas seus “dias de glórias” em suas redes sociais, a sociedade talvez esteja buscando quem também mostre seus “dias de luta”. É preciso SER e não apenas parecer. Walk the talk!
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