Vitória como cidade-porto expulsou os índios, recebeu imigrantes, pessoas escravizadas, estrangeiros e se fez portal de província e montanhas. Junto ao cais e às colinas, ao longo do comércio e das ocupações, a cidade-centro ordenou partes e impôs suas diferenças. Quando incontidas, geraram isolamentos, esquecimentos, apagamentos e preconceitos que ainda persistem em suas ruas.
O protagonismo histórico do Centro, como sede da capital do Espírito Santo, foi dissolvido com a expansão territorial da Grande Vitória, até se tornar um bairro a mais na cidade. Por ali, a dinâmica da vida cotidiana permanece sendo estratificada entre os moradores da parte considerada histórica, dotada de infraestrutura, e outra que abriga bairros consolidados nos morros do entorno, ainda que desprovidos de infraestrutura urbana adequada.
Ouvimos histórias e partilhas, desfilando em ladeiras e procissões, descrições de vidas extintas, guardadas ao lado de outras emoções correntes. Dos cotidianos, anotações vieram à vista, narrativas perdidas se tornam oportunidades e a memória dá lugar ao imaginário.
Assim, as experiências permanecem vivas como demandas, na reintegração porto-cidade, na rearticulação do comércio e dos serviços ou no anseio por moradia. Mas também como potências, no espaço habitado e vivido, na memória individual e coletiva e na resistência da vida cultural. Pensar o espaço urbano de forma integrada, seus múltiplos atores, permanentes e pendulares, públicos e privados, se faz necessário para debater o futuro da nossa cidade, uma cidade-mundo, feita de lugares, paisagens, falas e afetos, feita de nós.
Em maio deste ano, professores, técnicos, artistas, ativistas e poetas tiveram a oportunidade de apresentar e debater suas concepções e expectativas diante das novas práticas no centro da metrópole com o seminário transdisciplinar Cidade-Mundo. Promovido pelo projeto A Partir do Centro de forma online e com apoio da Lei Aldir Blanc, por meio da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), buscou entender Vitória dentro da perspectiva de que no mundo global a cidade se constitui cada vez mais virtual, imaterial e múltipla, dispersa e fragmentada.
Dessa forma, é igualmente importante discutir em que posições, classes, identidades e interesses locais se articulam e se articularão os trabalhos, os corpos, as memórias, impressas e os superpostas, em um espaço urbano nos tempos pós-pandemia. Em um só fôlego, o seminário Cidade-Mundo despertou um cruzamento de conceitos que balizam e ordenam posições e movimentos possíveis, sonhos, fazem valer gestos e mobilizam outros coletivos
Interpretações múltiplas informam as marcas nas construções, das desigualdades e dos recortes brutais, das dores e das perdas, mas revelam práticas que resistem, prolongam e dão continuidade às histórias de famílias e vidas.
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Projeto coletivo voluntário, A Partir do Centro é formado por profissionais de arquitetura e urbanismo que atuam para promover (re)conhecimentos de desejos e projetos perdidos, a exposição de pensamentos e invenções em centros históricos. Com encontros e entrevistas, presenciais e virtuais, apostam no futuro, extraindo sentidos também das ruínas, das falas, garimpando ideias e sementes para conceder, assim, novas perspectivas e orientações à vida pública.
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