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É juíza aposentada, advogada e mestranda em criminologia pela Universidade Lusíada - Portugal

Chegamos ao degrau derradeiro da radicalização: o terror

Esperamos que seja obra de um lobo solitário. Quantos lobos há na alcateia da radicalização da direita brasileira e como detê-los é um desafio, e o terrorismo é um fenómeno criminoso que muitos países tentam combater há séculos, sem muito sucesso

  • Carmen Lúcia Corrêa É juíza aposentada, advogada e mestranda em criminologia pela Universidade Lusíada - Portugal
Publicado em 14/11/2024 às 16h37

Atos de terror como sequestros e ataques com bombas podem ser estratégias do crime organizado ou de terroristas. O terror é uma forma de atuação que pode ser usada por estados, criminosos comuns, organizações criminosas ou grupos terroristas.

Os grupos terroristas têm uma motivação política que não se resume à tomada do poder estatal, querem legitimidade e impor uma ideologia (Ducheman, 2013). Nas palavras de Hofffman (1998), “o objetivo fundamental da violência terrorista em última análise é mudar o sistema”.

A criminalidade organizada age para obter vantagens econômicas (Braz,2010; Silva, 2015). Assim, temos por bem sintetizado um conceito de terrorismo como “fenómeno criminal de motivação essencialmente político-ideológico (…) envolvendo também, eventualmente, cambiantes de ordem étnica e cultural” (Ventura, 2004).

O uso da força e da violência para impor uma ideologia e conquistar uma mudança do sistema político pressupõe um processo de radicalização. Muitos são aqueles que discordam das decisões políticas de seus governantes, que professam diferentes religiões. No entanto, poucos buscam na violência a solução de suas insatisfações políticas ou de seus conflitos sociais e/ou religiosos.

Assim como em relação ao terrorismo, os estudiosos divergem sobre um conceito de radicalização. Segundo Veldhuis e Staun (2009), a radicalização é uma condição cognitiva resultante de um processo gradual no qual o indivíduo conforma um sistema de valores extremos com os quais consegue legitimar o uso de violência e em dadas circunstâncias aderir a uma ação terrorista.

A radicalização pode ocorrer em relação a valores extremistas políticos de direita ou de esquerda, na defesa de uma causa como a preservação do meio ambiente ou legislação antiaborto (Veldhuis & Staun, 2009). O indivíduo pode se radicalizar e não chegar a cometer um ato terrorista, mas alguém que internalizou valores extremos no curso de um processo de radicalização pode vir a cometê-lo.

E quais seriam as causas da radicalização?

Segundo a ONU, fatores individuais (pull factors) como a opressão, desvirtuamento de conceitos religiosos, ideologias políticas, vitimização, percepção de injustiça e história de vida podem resultar em pensamentos extremistas e radicalização. Também, fatores contextuais (push factors) tais como discriminação, marginalização, violações de princípios regedores do Estado de Direito e ausência de oportunidades econômicas são possíveis causas de radicalização do indivíduo (United Nations, 2016).

Os estudiosos apresentam várias hipóteses para a radicalização como fatores econômicos, culturais, sociodemográficos e religiosos. Os resultados dos estudos empíricos muitas vezes levam a conclusões divergentes.Blomberg at al (2004), Goldstein (2005), Morais (2012) sustentam que a ausência de oportunidades para integração econômica, provocada por condições econômicas adversas, o aumento do desemprego, a luta por uma melhor colocação em uma economia globalizada travada muitas vezes entre pessoas com culturas diferentes são fatores econômicos que podem favorecer à radicalização e adesão ao terrorismo.

As atividades de política externa que apresentam resultados percebidos como injustos, a internacionalização de conflitos internos (Basuchoudhary & Sheghart, 2010), a instabilidade política e institucional (Krueger & Maleckova, 2003, Sirseloudi, 2004), podem levar à radicalização e aumentar a ocorrência de atos terroristas.

Dados compilados pela European Union Agency for Law Enforcement Cooperation (Europol) e divulgados no Terrorism Situation and Trend Report (TE-SAT, 2017 e 2020) demonstram que o maior número de ataques terroristas ocorridos na Europa até o ano de 2019 tem causa separatista e não jihadista.

Contudo, nas sociedades que apresentam um maior fracionamento e tensões étnicas e religiosas há uma relação positiva com o terrorismo, de conformidade com os resultados de estudo empírico de Gassebner e Luechinger (2011). Sirseloudi (2004) sugere que, na ocorrência de guerras civis, guerrilhas, conflitos étnicos e religiosos os grupos terroristas têm maiores possibilidades de recrutamento de novos integrantes. O fracasso do Estado seria uma das causas profundas do terrorismo.

O Brasil tem assistido a uma crescente radicalização dos discursos políticos. Sob um suposto e inexistente apelo a um direito de liberdade de expressão absoluto, irresponsavelmente tem se construído uma cultura de violência verbal como meio de propaganda política.

Francisco Wanderley Luiz atira explosivos em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília
Francisco Wanderley Luiz atira explosivos em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. Crédito: TV Justiça/Reprodução

As instituições democráticas são os alvos de ataques diuturnos nas redes sociais, muitos sustentam a normalidade das ameaças abertas e veladas feitas às autoridades públicas, se aceita a manipulação da verdade dos fatos e a indução do homem comum às crenças mais absurdas.

Em 8 de janeiro de 2023, a radicalização levou a ataques contra as instituições a paus e pedras. Agora, a radicalização de seguimentos da direita brasileira resultou em um ataque com bombas direcionado ao maior símbolo do Poder Judiciário. Tratou-se de um ataque terrorista.

Esperamos que seja obra de um lobo solitário. Quantos lobos há na alcateia da radicalização da direita brasileira e como detê-los é um desafio, e o terrorismo é um fenómeno criminoso que muitos países tentam combater há séculos, sem muito sucesso.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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