Estamos diante de uma doença ameaçadora, nunca antes vivida por nossa geração. Uma doença que se espalha rapidamente pelo mundo, que atinge ricos e pobres, jovens e idosos, e com alta taxa de mortalidade, levando à superlotação dos sistemas de saúde e, principalmente, das UTIs. Os métodos diagnósticos são ainda escassos, caros e imprecisos. Não há vacina disponível no momento, e não há tratamento específico para a doença.
Por isto, a única recomendação segura é não se contaminar com a infecção. E para não se contaminar, o que sabidamente funciona, é ficar isolado em casa. E se não for possível, usar máscaras quando sair. Parece ser fácil entender isso porque quem ficar em casa não vai se expor ao vírus e, deste modo, não será contaminado. Simples assim!
É fato que muitas pessoas não podem ficar em casa por motivos sociais. Precisam buscar o alimento. Usar máscaras, então, é fundamental nesta situação, afinal, se todos a usarem, um não contamina o outro, pois a principal forma de contaminação é a respiratória. Simples assim. Difícil conseguir polemizar isto, mas, infelizmente, é o que tem acontecido.
A doença ainda é pouco conhecida para a ciência e para os médicos. Desde dezembro, quando foi documentada inicialmente na China, se passaram cinco meses, período este em que pesquisadores do mundo todo se mobilizaram para entender melhor sobre a Covid-19. Quando se digita o termo Covid-19 no Pubmed (principal base de artigos científicos do mundo), obtém-se 13.863 resultados. Ou seja, este é o número de artigos científicos publicados em revistas reconhecidas até a manhã de 19 de maio de 2020. Quando se associa a essa pesquisa o termo “treatment", são obtidos 282 artigos. E, quando é colocado o termo “Covid-19 chloroquine", são 226 estudos publicados até o momento.
No maior estudo, com 1.446 pacientes, publicado no dia 7 de maio no New England Journal of Medicine, uma das revistas científicas com maior credibilidade no mundo, o emprego de hidroxicloroquina não mostrou resultados positivos, sendo, a partir daí, retirada de vários protocolos de tratamento dos Estados Unidos. E a preocupação existe devido a efeitos colaterais graves, como arritmias e retinopatias, entre outros.
Um estudo em Manaus publicado na JAMA, que testou doses diferentes de cloroquina, foi interrompido devido à alta mortalidade em pacientes que receberam altas doses (39%) quando comparado com aqueles que receberam baixas doses (15%). Existe lógica no emprego da cloroquina na pandemia da Covid-19. Estudos in-vitro, observações epidemiológicas, experiências individuais e a lógica de seus mecanismos de ação mantêm o sentido da continuidade da pesquisa e avaliação desta droga.
O problema é a determinação de um protocolo de tratamento instituído pelo governo federal, sem base científica. E na contramão do que está sendo feito em países como os Estados Unidos, que estão retirando este medicamento de suas recomendações. Um protocolo de tratamento instituído pelo governo indica que o Estado deverá gastar dinheiro na compra de um medicamento que não tem ação comprovada. E deixar de gastar dinheiro em medidas que comprovadamente funcionam, tais como o fornecimento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), treinamento de técnicas de paramentação e desparamentação para reduzir a contaminação dos profissionais de saúde, compra de respiradores, aumento do número de leitos de UTI, treinamento de técnicas de tratamento de pacientes intubados, como a pronação, para citar as principais.
A proteção e capacitação da equipe que cuida desses pacientes graves têm melhor efeito que a cloroquina. A cloroquina pode, sim, ser prescrita por equipes médicas habilitadas, avaliando caso a caso, seus riscos e seu eventual benefício. Ela só não pode ser prescrita pelo presidente da República como um gesto messiânico, utilizando-a como uma droga milagrosa para salvar os brasileiros da Covid-19. E também obrigando os médicos a passarem a prescrever esta droga, muitas vezes contra sua vontade, sob risco de serem processados por pacientes. A ciência e a medicina não entendem este modo de operação.
O autor é médico, cirurgião do trauma e presidente da Sociedade Brasileira de Atendimento Integrado ao Traumatizado
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