A concessão de incentivos fiscais constituiu, historicamente, uma das principais ferramentas de política tributária adotada pelos entes federados, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento socioeconômico e a atração de investimentos. Se essa prática, por um lado, atendeu ao propósito de potencializar a competitividade de Estados e regiões mais vulneráveis, por outro, desencadeou uma guerra fiscal fratricida que pôs em xeque a higidez do pacto federativo.
Embora a Constituição de 1988 haja instituído mecanismos de controle recíproco, como a exigência de consensos construídos sob mediação de um órgão de estatura nacional (Confaz), as sucessivas agressões à ordem jurídica no exercício das competências tributárias estaduais findaram por neutralizar os anteparos idealizados pelo constituinte.
Esse quadro provocou uma erosão dos vínculos orgânicos entre os entes federados que só viria a arrefecer com a convalidação dos incentivos, em 2017, operada pela Lei Complementar nº 160, pela qual se logrou restaurar algum equilíbrio no plano das relações federativas.
Sensíveis a essa problemática, as propostas de reforma tributária em deliberação no Congresso Nacional assimilam, como regra, a vedação a benefícios fiscais no âmbito do Imposto sobre Bens e Serviços. Não se ignora que semelhante limitação traduz princípio estruturante dos modelos de Imposto sobre Valor Agregado em geral, mas, no Brasil, essa providência parece assumir mais viva coloração: a racionalização da concessão de incentivos fiscais põe-se como pressuposto do trânsito de um federalismo competitivo para um paradigma de federalismo cooperativo, em cujo seio a concorrência sistêmica entre os Estados ceda passo a uma sinergia federativa galvanizada em prol do desenvolvimento local e nacional.
Outra vantagem propiciada pela restrição à instituição de incentivos consiste em blindar o sistema tributário de lobbies políticos, frequentemente mobilizados por setores investidos de maior poder de barganha para obter tratamentos fiscais mais vantajosos, em arranjos que muitas vezes impactam a distribuição da carga tributária global.
A própria experiência brasileira nas últimas décadas exprime a importância de uma trava, de envergadura constitucional, que atue como antídoto à proliferação anárquica de benefícios fiscais.
Sabe-se, porém, que uma economia multifacetada como a brasileira dificulta a tarefa de edificar um sistema tributário cujo traço de homogeneidade não comporte exceções. Singularidades setoriais e regionais, em determinados casos, demandam adaptações legítimas para viabilizar a operacionalidade da nova regulação. Mas a admissão dessas exceções deve ser controlada, amparando-se mais em razões técnicas do que políticas.
Por isso, as duas PECs em tramitação contêm válvulas de escape à interdição de benefícios fiscais. O texto final da PEC 45 prevê a possibilidade de tratamentos favorecidos temporários a um rol taxativo de setores, o qual, delineado na própria Constituição, abriga as atividades agropecuárias e agroindustriais; os serviços de educação, saúde, transporte público coletivo e rodoviário de cargas e as entidades beneficentes de assistência social.
Já a PEC 110, em regulação mais flexível, consagra um dispositivo genérico que delega à lei complementar a definição dos segmentos que poderão gozar, excepcionalmente, de regimes especiais. Afora essas situações, prevalece uma legislação única, aplicável uniformemente a todos os demais setores, a otimizar o sistema tributário em matéria de complexidade e isonomia.
Não se deve desconsiderar, ademais, os efeitos projetados pelos regimes especiais durante a transição: como as alíquotas de referência do novo imposto serão calibradas de modo a manter os níveis atuais de arrecadação, quanto mais numerosos os tratamentos favorecidos, maior será a carga tributária para os demais segmentos. Esse fator desperta resistências setoriais e multiplica os nós políticos a serem desatados para viabilizar a aprovação da reforma.
Outro tema de alta voltagem atinente à transição diz respeito aos benefícios vinculados aos tributos atuais, em especial ao ICMS, com vigência prevista até 2032, em relação aos quais se tem cogitado reduções graduais e extinções prematuras, que se operem pari passu com o perecimento do próprio imposto (supõe-se 6 ou 7 anos). Por se tratar, porém, de questão de alto relevo para o Estado, convém reservá-lo a artigo específico, a ser futuramente publicado neste espaço.
Nesse cenário, portanto, está posto o desafio de arquitetar uma regulação equilibrada, que lance as bases de um modelo calcado na segurança jurídica e na harmonia das relações federativas, capaz de exorcizar o fantasma da guerra fiscal e de recriar um ambiente propício à emersão de um novo ciclo de crescimento econômico no país.
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