Encontra-se pendente no Superior Tribunal de Justiça o julgamento acerca do direito do cônjuge à metade de prêmio de loteria recebido pela esposa na constância do casamento (AREsp nº. 1824226/SP). Na hipótese, o STJ julgará se um prêmio de R$ 28,7 milhões recebido por uma viúva entrará no inventário dos bens do falecido marido.
O prêmio foi recebido pela viúva quando o marido ainda era vivo, na constância de casamento regido pela separação legal de bens. O regime da separação legal de bens está previsto no Código Civil e é obrigatório nos casamentos de pessoas com mais de 70 anos de idade (art. 1.641, II, Código Civil). A intenção do legislador foi a de proteger o patrimônio de pessoas desta faixa etária, prevenindo a celebração de casamentos com objetivo eminentemente financeiro (o chamado “golpe do baú”).
O STF editou a súmula nº. 377, segundo a qual, na separação legal, comunicam-se os bens onerosamente adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum. O prêmio de loteria não se enquadra em tal definição, pois não houve esforço ou dispêndio para o seu recebimento. Trata-se de bem auferido por fato eventual.
Surge então a controvérsia sobre a comunicabilidade, ou não, do prêmio entre os cônjuges, isto é, se o falecido marido teria direito à metade do prêmio. Ao contrário do regime de separação legal, nos casamentos realizados sob o regime da comunhão parcial, há comunicabilidade dos bens auferidos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior (art. 1.660, II, Código Civil).
O STJ já proferiu julgamento anterior reconhecendo a comunicabilidade de prêmio lotérico em tais situações (REsp nº. 1.689.152/SC). Os argumentos favoráveis a essa interpretação se alicerçam em importantes premissas. Em primeiro plano, o próprio legislador elegeu como comunicáveis os bens que ingressarem no patrimônio de um dos cônjuges por fato eventual, independentemente da investigação sobre esforço comum, embora não o tenha feito explicitamente para os casos de separação obrigatória de bens.
Ocorre que, diferentemente do que acontece no regime da separação convencional dos bens – no qual as partes escolheram por livre vontade o seu regime patrimonial – a separação obrigatória decorre da lei, não sendo facultado às partes optar por outro regime.
O julgamento pelo STJ reavivará um tema que ainda atormenta a jurisprudência pátria, que é a constitucionalidade, ou não, do regime da separação legal de bens. Isso porque a separação legal de bens acaba por presumir que qualquer pessoa maior de 70 anos é incapaz de eleger o regime patrimonial que melhor lhe aprouver. Interessante notar que pessoas com essa idade podem ocupar cargos relevantíssimos para a sociedade. Podem ser parlamentares, ministros e até presidentes da República.
Observa-se uma tendência dos Tribunais Superiores de, ainda que admitida a constitucionalidade do regime em questão, relativizar as hipóteses de incomunicabilidade do patrimônio, como forma de trazer maior equilíbrio, justiça social às partes e proteção ao patrimônio da pessoa idosa. Aliás, a conclusão pela possibilidade de partilha do prêmio não viola a intenção do legislador que criou a separação obrigatória de bens, já que o fato eventual (recebimento do prêmio) terá ocorrido durante o casamento, afastando qualquer ilação relativa a anseios patrimoniais premeditados.
O tema é relevante, porque, com a expectativa de vida cada vez maior, os casamentos realizados após os 70 anos de idade têm aumentado. Tão importante quanto o debate em casos específicos, é a releitura das regras contidas no Código Civil a respeito do regime de separação obrigatória de bens, pois a atual redação legislativa parece ir na direção contrária à autonomia da vontade privada das partes. Tais circunstâncias apenas confirmam a relevância da recente instauração, pelo Senado Federal, de Comissão de Juristas para a atualização do Código Civil.
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