Os coronavírus constituem-se em uma família de vírus causadores de doenças respiratórias em homens e animais. Eles estão entre os agentes que causam o resfriado comum em seres humanos. Alguns desses agentes têm a capacidade de mudar de hospedeiro, passando dos animais para os humanos. Quando tal evento acontece, geralmente os casos resultantes são investidos de significativa gravidade, com letalidade importante.
Em novembro de 2002, na província de Guangdong, na China, um coronavírus oriundo de um pequeno mamífero carnívoro local, conhecido como civeta, começou a ser transmitido entre seres humanos em uma fazenda local. A doença, logo denominada SARS (do inglês para síndrome respiratória aguda grave) foi transmitida no hospital regional entre pacientes e profissionais de saúde. Uma das pessoas atendidas em tal hospital viajou para Hong Kong, hospedando-se em um hotel da cidade. Ali, transmitiu o vírus para outros hóspedes que, por sua vez, o carrearam para seus respectivos países.
O resultado foi uma epidemia internacional, que atingiu 29 países e acometeu 8.096 pessoas, das quais 774 morreram. Os graves sintomas respiratórios demandavam, muitas vezes, cuidados de terapia intensiva, situação em que tudo o que podia ser feito era dar suporte de vida aos indivíduos até que seus organismos debelassem a doença, posto que não há tratamento específico para esta família de vírus.
A situação só não foi pior porque a taxa de ataque secundária da doença era baixa, ou seja, a transmissão perdia força a partir da segunda passagem do vírus. Em outras palavras, um indivíduo que adquiria a doença de um primeiro caso transmitia para outra pessoa, mas, a partir desta outra pessoa, a transmissão se tornava menos provável.
Nestas circunstâncias, a doença acometeu os hóspedes do hotel de Hong Kong, os profissionais de saúde que cuidaram deles e, no máximo, chegou a ser transmitido para os membros das famílias desses profissionais. Os últimos casos da epidemia foram notificados no início de 2004.
RECORRÊNCIA
Novamente, em setembro de 2012, infecções respiratórias por um novo coronavírus começaram a ser notificadas na Árabia Saudita. Diferentemente da situação de 2002, esse novo vírus tinha uma transmissão entre pessoas de ocorrência muito difícil. A origem das infecções estava relacionada ao contato com leite e excreções de dromedários, um tipo de camelo.
De transmissão mais difícil, esta nova condição infecciosa ficou restrita ao Oriente Médio, com exceção de um surto satélite ocorrido na Coréia do Sul, embora casos tenham sido diagnosticados, até novembro de 2019, em 27 países. Entretanto, 80% desses casos foram notificados na Arábia Saudita. A letalidade é mais alta do que aquela da SARS, de tal forma que, dos 2.494 indivíduos acometidos até novembro do ano passado, 858 morreram (aproximadamente 35%).
NOVO VÍRUS
Agora, uma vez mais, surge uma doença por coronavírus, novamente originária da China (nesta situação, da província de Hubei, cidade de Wuhan), a partir de um mercado de animais vivos e seus produtos. A velocidade de disseminação deste novo agente parece ser importante, já que, a partir do início das notificações em dezembro, 500 casos foram detectados, com 17 mortos e extensão até os Estados Unidos.
Casos foram notificados ainda na Tailândia, na Coreia do Sul, no Japão e em Taiwan. Os olhos do mundo se voltam para a Organização Mundial de Saúde (OMS), que deve declarar situação de emergência de saúde pública de interesse internacional. O risco de disseminação em países como Estados Unidos e Brasil ainda é baixo, mas tudo dependerá do que puder vir a ser determinado nos próximos dias a respeito do vírus, como a sua real transmissibilidade e sua velocidade de mutação.
RECOMENDAÇÕES
Há uma semana, por meio do Boletim Epidemiológico número 1 de 2020, o Ministério da Saúde já se pronunciou a respeito desta nova ameaça à saúde pública. Em nível individual, o ministério recomenda evitar contato próximo com pessoas que sofrem de infecções respiratórias agudas, lavar frequentemente as mãos, especialmente após o contato direto com pessoas doentes ou com o meio ambiente, evitar contato próximo com animais selvagens e animais doentes em fazendas ou criações e praticar etiqueta respiratória se estiver com sintomas de infecção respiratória (ou seja, ao espirrar ou tossir, cobrir o nariz e a boca usando a região do braço próxima ao cotovelo).
A tudo isso, pode ser acrescentada a recomendação da OMS de cozimento adequado dos alimentos à base de carne. Em nível de saúde coletiva, o ministério deu ciência da situação às áreas de Portos, Aeroportos e Fronteiras, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), e de Vigilância Animal, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Tal ciência também foi dada às secretarias dos Estados e municípios, às demais secretarias do Ministério da Saúde e aos demais órgãos federais pertinentes, evitando medidas restritivas e desproporcionais em relação aos riscos para a saúde e para o trânsito de pessoas, bens e mercadorias.
Outras medidas ministeriais foram a instalação de um processo de avaliação de risco diário centralizado na secretaria de Vigilância em Saúde, ponto de contato da OMS no Brasil e responsável pela aplicação do Regulamento Sanitário Internacional, a geração de relatórios diários da situação para os diversos órgãos executivos relacionados à saúde, a revisão da capacidade instalada de iniciadores de testes de biologia molecular e de outros testes diagnósticos para investigação de agentes biológicos respiratórios conhecidos, a revisão dos fluxos de investigação de casos identificados em pontos de entrada (ações imediatas, fluxo da investigação, hospital de referência, investigação de contatos, etc.), a revisão dos principais aeroportos de conexão de viajantes provenientes da China para identificação e mensuração dos riscos e a atualização dos protocolos e procedimentos operacionais padrão de vigilância e atenção relativas à identificação de casos suspeitos de síndrome respiratória aguda grave.
CASOS SUSPEITOS
Para profissionais de saúde e cidadãos em geral, a Secretaria de Vigilância em Saúde propõe, como definição preliminar de caso suspeito (até que seja feita uma melhor caracterização), o indivíduo que se apresente com febre alta (> 38ºC), tosse ou dificuldade para respirar e uma ou as duas seguintes exposições: contato próximo (cuidou, morou ou teve contato direto com secreções respiratórias ou fluidos corporais) com uma pessoa que tenha sido acometida pela pneumonia pelo novo coronavírus, quer seja no âmbito da suspeita, quer seja no da probabilidade, ou histórico de viagens para uma área com transmissão local recente da pneumonia pelo novo coronavírus.
Este novo quadro infeccioso é uma doença emergente como tantas outras que têm acometido a humanidade nos tempos modernos. Vários são os fatores envolvidos no fenômeno de emergência de novas doenças infecciosas, os quais incluem as mudanças climáticas, a maneira como exploramos os recursos naturais e o quanto lidamos responsavelmente com os contrastes sociais.
Em relação a esta situação em particular, são de fundamental importância o crescimento da população mundial, a expansão das áreas povoadas em detrimento dos ambientes naturais e a velocidade de deslocamento dos indivíduos em todo o planeta. A forma de reduzir a probabilidade de surgimento de outras condições como essa se encontra intimamente relacionada com os conceitos de desenvolvimento sustentável e responsabilidade social.
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O autor é médico infectologista
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